domingo, 19 de outubro de 2008

VIAGEM NO TEMPO




Doutor Ronan sentou-se na poltrona, abriu o jornal e leu a manchete:

“SUICIDOU-SE GETÚLIO VARGAS:
VÍTIMA DA INFÂMIA DOS SEUS INIMIGOS
GETÚLIO VARGAS CUMPRIU A PROMESSA:
SÓ SAIO MORTO DO CATETE”

Em seguida fechou o jornal, pegou o seu netinho no colo e deu-lhe uma aula sobre a vida:

"Mais uma vítima do poder. Todo grande homem se suicida. Todo benfeitor da humanidade. Todo mártir. Todo libertador. Kennedy suicidou-se. Lincoln suicidou-se. Tiradentes suicidou-se. Gandhi suicidou-se.

Um que tentou se suicidar e não conseguiu foi o ex-presidente da França Charles de Gaulle. Tudo premeditado, mas na hora H o plano falhou. Seus soldados impediram.

Espera um pouco. Já faz tanto tempo que o Getúlio se suicidou que eu achava que esse assunto já tinha sido morto e enterrado. Jornal doido tchê! Ah, já sei. Só pode ser a coluna ‘Há 30 anos em Zero Hora’.

A avó Frida também se suicidou. Minha mãe me contou. Ela já estava há um bom tempo acamada em estado terminal. Um belo dia se levantou e se enforcou. Uma solução simples pra acabar com o próprio sofrimento. Autocompaixão!

Depois que ela foi enterrada cessaram aquelas reuniões regulares que a mamãe ia sem dar grandes explicações. Foi tão triste o enterro da vó Frida, e tão misterioso. Meus tios um pouco choravam, um pouco cochichavam pelos cantos. Tentei captar alguma coisa, mas a única palavra que consegui ouvir foi ‘terreno’.

A corda na qual a vó Frida se suicidou ainda está até hoje lá, pendurada na árvore. Fizeram com ela um balanço para eu brincar.

Não sei dizer porquê, mas naquela época se dizia lá na minha cidade “Alemão não pode ver uma corda que ele se enforca”. Só sei que tinha gente dos que vieram da Alemanha, que não estava em dia com a Justiça. Alguns vinham tentar salvar a situação financeira por aqui. Lá eram barões. Barões decadentes.

Outros mudavam o sobrenome para Pereira, Oliveira, Bananeira. Verdade. Tem bananeira por aí. E como gostam de genealogia! Isso aí é um vírus que te pega e tu nunca mais consegues te livrar dele. Sei do que estou falando. Eu vivo entre o Arquivo Público, o Arquivo Histórico e a Cúria Metropolitana.

No Arquivo Público não pode falar mal em voz alta dos antepassados porque aquele povo que vai lá acha uma falta de respeito. Eles meio que veneram os nossos ancestrais. Eu não. Eu gosto mesmo é de folgar nos meus antepassados.

Bom se eles pudessem vir aqui me conhecer. Eu iria amar. E eles iriam ficar boquiabertos com a tecnologia. Então eu iria mostrar para o meu decavô a cidade do futuro. Não tem poluição, não tem trânsito lento, não tem assalto, não tem mendigo, não tem pobreza, não tem tanta coisa que tinha no tempo dele. Meu decavô serviu na Guerra do Paraguai. E voltando da guerra fazia cama sobre os cadáveres. Hoje nem guerra tem mais, está tudo mudado.

Eu adoro essa cidade, moro no quinto andar dela, trabalho no sexto, vou à academia no nono, à igreja no terceiro e às compras no primeiro. O pessoal do andar de baixo não incomoda, nem o de cima fica andando de salto alto. Tenho um amigo que mora no sexagésimo andar. Fico com preguiça de subir as escadas até lá. Vou de elevador instantâneo.

Nosso prefeito foi muito feliz em ter planejado essa cidade toda em andares. É muito inteligente o homem! Ele explicou pra população que a gente mora, trabalha, estuda, faz compras, se diverte, em prédios de vários andares. Depois desce todo mundo pra o térreo. Não funciona! Não cabe! Por isso que ele bolou a cidade em andares.

Ela foi toda feita com nanotubos de carbono, esse material que é 100 vezes mais resistente e 6 vezes mais leve que o aço, tem condutividade elétrica 1000 vezes superior à do cobre e custa 50 vezes mais do que o ouro. O Homem-aranha que está fazendo a festa. O fio de nanotubo é 4 vezes mais resistente que a teia de aranha.

Espera aí. Estão batendo na porta.

-Meu decavô!


Nenhum comentário: