Fiquei antenada com a aproximação da 53ª Feira do Livro. Acompanhei pela primeira vez os preparativos de perto. Uma cidade em construção com a estratégia de uma emboscada. Mas, quem era o inimigo? Vários. A pobreza cultural, a ignorância, a falta de erudição, e até a preguiça de ler.
Começaria sexta às 13 horas. Consegui já pela manhã uma revista informativa da feira no prédio do Memorial, onde acontecia um evento literário. Guardei a revista na mochila e, ainda no ônibus, devorei as listas de autógrafos me detendo nos autores que me interessavam, cito, entre outros, a Martha Medeiros.
No dia e hora previstos tomei o caminho e fui lá. Quando cheguei a fila já estava assustadora. Fiquei um pouco desanimada e me sentei num banco ao lado da praça de autógrafos. Quase caí após tropeçar no degrau do tablado de madeira que abrigava os bancos. Sentei-me ao lado de um senhor fumante que fez observação pertinente sobre o tal degrau, enganava bem me disse ele, pois era da mesma cor do chão. Em meio a tragadas de fumaça ele contou-me alguns causos que me fizeram rir:
- Antigamente as pessoas compravam carro e o deixavam parado na garagem.
- Ah é, mas então pra que compravam?
- É que eles pensavam que o carro fazia tudo sozinho, aí quando eles descobriam que tinha que dirigir desistiam dele.
- Ah tá, tu inventou essa.
- Não, às vezes quando o farol do carro acendia eles se assustavam e davam um tiro no farol.
Quando terminou de contar meu amigo se despediu, e eu me encaminhei à banca da Câmara Rio-Grandense do Livro para comprar o meu exemplar do título da Martha Medeiros. Tão logo entrei na fila uma senhora simpática se aproximou de mim e perguntou se aquela fila era pra o autógrafo da Martha. Respondi que sim e perguntei-lhe se ela já tinha lido mais algum livro dessa autora. Ela respondeu: “Todos”. Eu nessa época apenas começava a tomar conhecimento do trabalho dessa escritora. Logo, logo, um senhor bem vestido de terno veio acompanhá-la, e eu me retraí um pouco para não me intrometer na conversa dos dois. Mas como a mulher simpática puxou conversa de novo continuei a dar trela espantada com tanta espontaneidade e disposição para trocar idéias. Só a Feira do Livro mesmo para fazer as pessoas se abrirem desse jeito!
Nisso circulava um homem do governo pelas mesas de autógrafos e dava entrevistas para jornalistas eufóricas. Virei para a mulher ao meu lado e falei: “Como pode este homem do governo andar livremente sem guarda-costas? Ou haverá um disfarçado de leitor?” Ela e o marido foram unânimes: “Não tá valendo nada”. Não era o caso daquele político, mas a opinião deles refletia a impressão que o recente escândalo na Assembléia havia causado no cidadão comum.
Depois me perguntaram o que eu fazia e eu respondi que estava me formando naquele semestre em Matemática. Ficaram surpresos. Acho que as pessoas supervalorizam a intelectualidade. Aproveitei para desmistificar. “Tem que ser sofredor, como certos torcedores de futebol”, expliquei. É muito sofrimento pra pouco prazer. Mas quando dá prazer ele é imenso. Daí o papo virou para o lado do futebol. Perguntaram pra que time eu torcia e eu fiquei sem jeito de responder pois o homem vestia camisa azul e gravata vermelha. Falei: “Não sei, ele está de Gre-Nal”. Enfim a mulher se revelou torcedora do Inter.
Ficamos ali discutindo sobre o tipo de torcida do Grêmio, mais elitizada. “Tem gente que vira gremista só pra ir em festinha do Grêmio”, me falaram. “Pois é, agora com a reforma do Beira-Rio de certo o Inter também vai ganhar mais status”, arrisquei uma previsão de analfabeta em futebol. É impressionante, quando toca nesse assunto a conversa não termina.
Agora foi a vez do senhor: “É mas o Inter tem muito dinheiro que ganha na negociação com os clubes europeus. E a direção fica sempre na mesma panela, o que chamam de Império Otomano. São cerca de 60 jogadores à disposição do Inter. Não sei pra que tanto, mas eles podem, então...”. “Quantos jogadores?”, perguntei duvidosa. “Sessenta”, ele repetiu. “Então dá pra formar um número de times igual à combinação de sessenta onze a onze, se cada um deles puder ocupar qualquer posição em campo”, falei no meu modo de pensar matemático.
Conversando sobre futebol o tempo passou rápido e não demorou muito para que chegasse a minha vez de pedir autógrafo pra Martha. Ela foi muito gentil, como sempre. Até escreveu o meu nome corretamente, que eu soletrei. No fim fui embora sem me despedir daquele casal maravilhoso que um dia espero rever na minha própria fila de autógrafos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário