No primeiro dia, não tendo o que comer, pois a minha única fortuna era o Sedento, e eu o tinha em grande estima e valor, saí do meu sonho e fiz uma viagem astral até o sonho de Faraó, no Egito. Trouxe comigo as 7 vacas gordas e as 7 vacas magras, além das 7 espigas grandes e cheias, bem como as 7 miúdas e queimadas pelo vento oriental. Com esses suprimentos passei as primeiras 4 semanas, bebendo água, eu e o Sedento, nas bicas à beira da estrada. Confesso que a carga estava um pouco pesada, mas não me desanimei do meu objetivo.
Não posso esquecer de contar, que trouxe do Egito algumas folhas de papiros, nas quais escrevi o meu diário. E como sou ecologicamente correto, plantei juncos nas margens do Nilo, para compensar os que foram arrancados em função dos meus papiros.
À tardinha eu chegava em alguma propriedade e pedia: Dona, estou com uma fome, será que a senhora podia me dar um copo d'água? A dama não só atendia o meu pedido, como me oferecia refeição e pouso, que eu prontamente aceitava sem frescura.
No outro dia, logo cedo, montava no Sedento e seguia o meu caminho, admirando as plantações de pepino, de arroz, de abobrinhas. Numa das casas em que parei me deram 13 sacolas de abobrinhas. Pediram que eu levasse, por favor, que se eu não levasse iriam se estragar.
Naqueles dias que se seguiram, comi abobrinha a dar com pau. Já estava saturado de tanta abobrinha até que... chega de abobrinha! Despejei o restante em uma valo, para que apodrecessem e virassem adubo; até porque eu sou uma pessoa ecológica, se não teria jogado tudo na lata do lixo mesmo.
Quando meus mantimentos acabaram, decidi, com pesar no coração, vender o Sedento, que já estava pra lá de cansado. No fim acabei negociando o bichinho em troca de um jegue, acrescido de uma soma em dinheiro vivo. Achei que aquela quantia seria o bastante para eu me sustentar até o final da viagem. Para economizar instalei gás natural no Jego, esse era o seu nome.
Mais adiante encontrei, numa taverna, D'Artagnan e os três mosqueteiros. À vista deles desembainhei minha espada e chamei-os ao duelo. Minha alma ansiava por diversão, algo que me afastasse a monotonia. Derrubei-os um por um e, mais tarde, me levaram para conhecer o Sr. de Tréville, o capitão dos mosqueteiros. Contaram a ele da minha habilidade com a espada e ele ficou muito surpreso. Entretanto, sentindo-se humilhado pela derrota dos seus homens desafiou-me a enfrentar toda a sua tropa de elite. E eu, que não sou covarde, enfrentei-os bravamente até cair exausto no chão, com alguns ferimentos sangrando, donde me ajuntaram e me recolheram a um lugar seguro.
Divertiram-se muito às minhas custas. É notável o divertimento proporcionado pela luta. O povo clama por pão e circo! Fiquei com eles por alguns dias até que meus ferimentos sararam, então anunciei a minha partida. D’Artagnan protestou: “Hoje não, hoje você deve vir conosco ao desfile do estilista Alexandre Davy de la Pailleterie. É imperdível. Aqui está a sua roupa”, ele me disse, colocando um traje de gala nas minhas mãos. “Esteja pronto às 20 horas em ponto!”. Fiquei sem palavras, apenas fiz sinal positivo com a cabeça.
Passamos mais um dia brincando de espada e fazendo pilhérrias sobre o cardeal. Às 20 horas combinadas postei-me à porta, botas reluzindo, e gritei para D’Artagnan: “Estou pronto!”. O gascão disparou para fora da casa, descemos as escadas apressadamente e no caminho para o desfile agregaram-se à nós Athos, Aramis e Porthos, cada qual mais reluzente que o outro. Chegando lá tomamos os nossos assentos na primeira fileira, como convinha à guarda do rei e aguardamos ansiosos o início do evento. Porthos, que era o mais falante, avisou-me: “Daqui seguiremos para o tradicional baile de máscaras, você está intimado a vir conosco”.
Pra ser sincero doutor, não vi nada de excepcional naquela noite dita imperdível, exceto por uma dama que desfilou um longo vestido amarelo com uma fenda até a coxa. Seus cabelos loiros, ondulados, desciam até a cintura. Seu andar era como o de uma felina. Quando a vi soube haver encontrado a dama perfeita. Entrei em órbita. Ao passar na minha frente tirei-lhe o meu chapéu. Mas ela sequer me olhou. Seguiu a passos firmes olhando para o fundo do salão.
D’Artagnan e os três mosqueteiros não me desanimaram, pelo contrário, colocaram lenha no fogo. “Não pense que ela não o viu”, disse-me Athos, já na saída do salão, “é de praxe a dama fazer-se de difícil. Você terá que encontrá-la no baile de máscaras e convencê-la de que você é um mosqueteiro”.
Logo que entramos no salão de baile não consegui enxergar absolutamente nada, tão fraca era a luz dos lampiões comparada às luminárias do caminho. Apertei meus olhos à procura da nobre dama, mas parecia impossível distinguir qualquer pessoa por outro meio que não fosse a voz. “E agora?”, pensei alto. D’Artagnan riu-se de mim vendo o meu dissabor. Cochichou no meu ouvido: “Vá pelo perfume. Lembra-se quando ela passou na sua frente? Deixou cair uma pétala de flor perfumada. Eu apanhei-a. Aqui está. Agora vá procurá-la”.
Encostei a pétala perto das minhas narinas, e absorvi todo o seu aroma. Meus companheiros desapareceram em meio à multidão deixando-me só. Com certeza tinham o faro mais apurado que o meu. Tomei uma e outra taça de vinho, enquanto me entretia com as minhas fantasias a respeito da misteriosa dama. Aos poucos o salão foi se esvaziando. Foi tudo tão rápido. Quando meu cérebro finalmente conseguiu distinguir a realidade do devaneio, eu já tinha a posto ofegante sob o meu corpo suado. E, nossa doutor! Foi só um sonho. É uma pena!
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