É uma tarde de inverno em Porto Alegre. O sol já está declinando e o colorido do ocaso faz do horizonte uma aquarela.
O Dr. Ronan está voltando para casa. Nesse exato momento ele está em uma avenida de um movimentado bairro.
Para chegar na sua residência ele precisa passar por dentro de uma vila, onde o tráfico é a ocupação principal dos seus moradores. É uma dessas vilas plantadas no meio dos bairros nobres.
O carro avança uns 1800m vila adentro e, inafortunadamente, o motor falha a cerca de 1500m do núcleo do tráfico. Ele avança mais 100m e agora o carro apaga de vez.
Não obstante os seus repetidos esforços, ele não consegue ir adiante. A única coisa que ele ouve, quando vira a chave, é um chiado de mau agouro. Ele precisa agir antes de despertar a atenção dos moradores locais. Ele pensa rápido, pega o celular, e procura o número do mecânico com quem faz revisão periódica do veículo.
Se o mecânico vier de imediato levará em torno de 15 minutos. Por azar, ou sorte, o celular desliga assim que ele ouve alguém dizer “Alô”. Está sem bateria.
O carro está no seguro, mas o doutor traz consigo uma quantia considerável em cédulas de 100 reais, que estão em uma maleta chaveada. Além disso, ele carrega os seus cartões de crédito e documentos pessoais em uma carteira, no bolso traseiro da calça.
A esta altura o sol já se pôs, as luzes dos casebres se acenderam e, vez por outra, uma cabeça curiosa aparece na janela ou no canto da porta. Ele entende que a sua ação deve ser rápida.
Após nem meio segundo de reflexão ele já sabe o que fazer. Então tira os sapatos, o cinto e o paletó e coloca-os no banco do caroneiro. Depois tira as calças e veste-as do lado avesso. A camisa de mangas compridas é deixada para fora das calças, e alguns botões são abertos.
Dentro das meias, em baixo dos pés, ele coloca os seus cartões e documentos. As notas de cem reais que estão na maleta ele guarda, rapidamente, dentro da cueca, num maço preso por uma borrachinha. Sorte dele que a cueca é apertada.
Feito isso ele sai do carro, abre o capô, e finge consertar algo, enquanto suja a pele e a roupa de graxa. Finalmente, ele rasga a manga direita da camisa, dobra a manga esquerda, massaroqueia o cabelo, fecha o capô, chaveia, e esconde o molho de chaves dentro da dobra da manga esquerda.
Agora ele está pronto para enfrentar a travessia pelo núcleo do tráfico. Recuar é covardia e a distância é bem maior. Ele avança sem muita pressa, para não dar na cara que está fugindo. Doutor Ronan passa todo dia por esse local com o seu carro blindado. Já conhece bem o trajeto.
À medida que se aproxima do ponto periclitante, vão surgindo uns indivíduos mal-encarados, dos vãos entre as construções. Ele sente que a sua presença incomoda, podem pensar que é um policial disfarçado.
Doze homens vêm caminhando na direção do doutor. Ele sente medo. A adrenalina entra na corrente sanguínea. O ritmo cardíaco acelera. Ele entra em ação. Para parecer meio doido, ou mostrar que sabe se defender, ele dá uns golpes de caratê no ar. Os homens estão se aproximando, a passos largos. Seu coração está saindo pela garganta.
É a hora do desfecho. Preste atenção: Ele não desvia o rumo ou sai correndo. Bem pelo contrário. Ele caminha em direção aos traficantes, finge que tropeça e pede com voz de bêbado: “Me dá um real”.
Os homens se entreolham e um deles, o que parece ser o cabeça, lhe dá uma moeda de um real. Ele agradece fingindo emoção: “Brigado seu moço, snif”, e esfrega a mão no olho; a propósito, a mão direita, para não correr o risco de deixar cair o molho de chaves, que inclui as chaves da casa e do consultório.
Missão impossível cumprida. Em dez minutos o doutor está fora de perigo e aciona a Brigada Militar do orelhão de um bar. Logo que a viatura chega ele mostra os documentos e pede carona até a sua casa.
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