"Doutor, eu tenho a consciência pesada por causa da sorte dos meus filhos. O mais velho, desde cedo se meteu com as drogas. Me dá tanta tristeza que até choro. Todo fim de tarde ele sai pra fumar baseado. Depois vem pra casa falando bobagem, pergunta o que tem pra jantar centenas de vezes. Eu fico nuns nervos! Essa droga parece que desliga a memória. Por último se meteu com drogas pesadas, tipo esse tal de êxtase, como é mesmo? Ah, ecstasy. Diz ele que se a garota encostar no ombro dele ele goza. É um chifre de rinoceronte turbinado esse êxtase. Só que ele está virando uma ruína humana. Daqui um pouco ele vai ficar todo envenenado e o corpo dele nunca mais vai conseguir voltar ao normal. Essas festas que ele frequenta, da média-alta, são repletas de entorpecentes. A gurizada está sempre na vanguarda das drogas.
Quando entrou na faculdade me animei, pensei que fosse criar juízo, que nada! Pegou outro vício, jogar baralho negro no bar. Não que um baralhozinho não distraia doutor, é que ele está indo mal nos estudos por causa disso. Acho que nem assiste às aulas pra ficar jogando. Outro dia arrumou uma namorada crente. Linda a menina. Pra dizer a verdade eu não fui muito com a cara dela, ou ela que não foi com a minha. Sei dizer que a gente não fala a mesma língua.
Eu já sinto culpa pelo meu filho estar desse jeito, fiquei preocupada que ele estragasse a guria. Ela é toda certinha. Liguei pra ela e aconselhei-a deixar dele, que procurasse alguém com a cabeça no lugar. Alguém que a merecesse. No fundo eu também queria me livrar dela, é claro.
Às vezes ele leva faca na mochila quando sai pra faculdade. Eu tenho muito medo que ele cometa um desatino. Já pensou se ele machuca a namoradinha crente? Vai sobrar pra mim. O pai dele não sei por onde anda. Vai ver até já se mudou de país. Uma vez fiquei tão angustiada que saí da minha casa e fui lá na faculdade atrás dele. Ele estava sentado no bar com a crentinha no colo. Quando me viu arregalou um olhão desse tamanho Ó. Gritou “Mãe, que tu tá fazendo aqui?”. Puxei ele pra um canto, pedi a faca e me fui embora sem dar explicação pra guria. Acho que depois ele contou pra ela. Mas ela é tão avoada que não liga pra nada. Ainda está na adolescência, pensa que o amor protege de tudo. Eu sei que ele gosta dela, mas drogado ele é capaz de qualquer coisa, só pra se parecer um pouco com o Kurt Cobain, aquele doido que se matou.
Eu fiquei surpresa de ver a guria no colo dele, parecia tão pura. Vai ver é só fachada, no fundo é como as outras. Afogueada. Eu já não boto a minha mão no fogo. Tu sabe o que eu li na porta do banheiro lá na faculdade? “Se puta fosse bala e maconheiro fosse fuzil a UFRGS tava pronta pra defender o Brasil”. Acho que isso diz alguma coisa não é? Se bem que esse pensamento é do tempo que se dizia: lugar de mulher é na cozinha ou na cama...
O mais novo, esse eu botava fé que ia se dar bem na vida. Eu pressionei ele desde cedo pra ele não se meter com droga. Acho que ele ficou com um pouco de raiva de mim porque ele me olha de revesgueio, e me responde com palavrão, por mais que eu tente tratar o bichinho com amor. Eu não vou deixar ele sair pra festa antes dos 18. Vai ficar sempre em casa protegido dessa cambada de maloqueiros. Tentou fugir várias vezes mas tomou surra de cinta.
Agora eu estou muito aflita doutor, porque faz vinte dias que ele saiu pra visitar o irmão dele na cadeia e não apareceu em casa até hoje. Eu estou quase enfartando de tanta culpa. Eu sou uma péssima mãe. Já interroguei os vizinhos, já procurei os colegas dele, já estou a ponto de ir à polícia. Será que aconteceu alguma coisa de mal pra ele? Será que ele foi atropelado? Será que ele fugiu?".
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