terça-feira, 21 de outubro de 2008

TEORIA DO TRATAMENTO




Na tentativa de entender as pessoas elaborei a teoria do tratamento. Já dizia Freud: O objetivo da psicanálise não é salvar o mundo. Será que era salvar a si próprio então? Deixa pra lá. Vamos à teoria mencionada. Lembrando que nem sempre a realidade corresponde à teoria.

Examinemos o caso 1: Se você trata o sujeito bem ele o trata bem, se você trata o sujeito mal ele também o trata bem.

Hipótese I: O sujeito é cristão. Tem que virar a outra face pra bater (caso já tenham batido na primeira). Está escrito! Acontece que ele nunca dá a primeira pra bater. Ao contrário. Ao menor desentendimento ele já saca a arma. Assim são os religiosos. Sanguinários intolerantes. Você é herege? Está morto!

Hipótese II: O sujeito quer te levar pra cama. Ele engole todos os sapos com o pensamento fixo em seu objetivo. Finalmente, a vitória. Pode parecer que a estratégia funcionou. E de fato funcionou. Mas foi um tanto idiota essa atitude. Você terá certeza disso quando, após a vitória, ele vomitar todos os sapos que engoliu em cima de você.

Hipótese III: O sujeito é um cínico formal. Trata todos os seus afetos e desafetos com gentileza. Da boca pra fora. No fundo ele te despreza. Pior que há lugares em que esse comportamento é quase uma obrigação social. Na França, por exemplo. Experimente não dar Bon Jour. Passará por mal educado.

O caso 2 é igualmente interessante: Se você trata o sujeito bem ele o trata bem, se você trata o sujeito mal ele o trata mal.

Hipótese I: O sujeito é humano. Por isso reage como humano, com sentimentos. Se você o ofende ele não esconde o seu ressentimento. Descarregue nele e ele descarregará em você. Ele acha muito ruim levar uma montanha de mágoas pra casa no fim do dia.

Hipótese II: O sujeito é do tipo que pensa: quem fala o que quer ouve o que não quer. Resolve tudo na hora. Sem tapa. Na boa. Dele dizem: é bem resolvido. Hoje em dia falou bobagem toma processo. Tem mulher que ouve gracinha de colega de trabalho no bebedouro e já entra com processo. Será sede de dinheiro? Seja o que for. Mulher que se preze tem que saber levar cantada. Até de pedreiro.

Hipótese III: O sujeito é esperto. Ele sabe que se ele tratar bem as pessoas sempre, elas o tratarão como quiserem. Sabendo disso impõe limites. É meio como lidar com criança. Tem que dar palmada na bunda pra não aprontar de novo. Com criança funciona. Com adulto às vezes.

Passemos ao caso 3: Se você trata o sujeito bem ele o trata mal, se você trata o sujeito mal ele o trata bem.

Hipótese I: O indivíduo é masoquista. Nesse caso trate-o sempre mal e ele adorará você. Algumas mulheres até se apaixonam por indivíduos assim. E pensam que eles gostam delas. Ele me maltrata mas ele me ama. Falso.

Hipótese II: O sujeito é auto-destrutivo. Ele próprio se maltrata e não aceita que alguém trate-o bem. Por isso se você tratá-lo bem ele se desgostará e o tratará mal. Experimente convidá-lo para uma sessão de tortura. Ele vai se amarrar.

Hipótese III: O sujeito é imaturo. Ele ainda não aprendeu como funciona o relacionamento humano. Provavelmente não foi muito amado pela família e por isso pensa que não é digno de ser bem tratado. Reage mal aos que o tratam bem pois não está acostumado a isso.

Por último analisemos o caso 4: Se você trata o sujeito bem ele o trata mal, se você trata o sujeito mal ele também o trata mal.

Hipótese I: O sujeito é sádico. E como as pessoas não apreciam muito a sua companhia, ele costuma levar as suas vítimas para um castelo abandonado, com um chicote escondido no porta-malas.

Hipótese II: O sujeito é mau. Com certeza ele é um indivíduo muito infeliz. Dizem que até o diabo quando está feliz é bom. Não leve a sério. É só por força de expressão.

Hipótese III: O sujeito é insano. Neste caso tente conduzí-lo a um especialista. Mas não espere que ele vá concordar. Não vai. Chame-o de doido. Ele não só rejeitará o título como apontará as suas doideras. Porque de perto ninguém é normal. Porque ele é doido mas não é burro. Se você puder caia fora. Caso contrário procure você um especialista.

Uma dica para lidar com sujeitos insanos é o provérbio “Para maluco maluco e meio”. A locução adverte que quando um indivíduo é exaltado e procura vencer pela intimidação não valem argumentos persuasivos. É necessário enfrentá-lo com uma veemência ainda maior, revelando destemor, desprezando ameaças e fazendo-as mais violentas. O mesmo provérbio existe com essa forma: “Remédio de doido é doido e meio”.

Nem sabe. Mudou a minha vida. Já não me aborreço mais tentando discutir logicamente com qualquer sujeito. Nem a lógica, nem a retórica, nem a dialética, as artes da eloqüência e da persuasão. Tente inconfundir a cabeça do seu interlocutor. Como você não vai conseguir convencê-lo de nada mesmo, pelo menos vai se divertir um pouco.


CANCELAMENTO DE CONTA




- Alô.

- Alô. Eu quero cancelar a minha conta.

- Por quê?

- Porque vocês me roubaram.

- Do que a senhora está falando?

- Desse monte de taxas que vocês me descontaram.

- Nós podemos explicar que taxas são essas.

- Não me interessa. E o juro também é muito alto.

- Nós podemos baixar o juro para a senhora.

- E por que já não baixaram desde o início?

- Porque a senhora não pediu.

- Pra quanto?

- Pra nove por cento.

- Ao ano?

- Não, ao mês.

- Não quero.

- Há alguma coisa que o banco possa fazer pela senhora?

- Não. Devia ter feito na hora certa. Agora é tarde.

- Mas nós ligamos pra a senhora quando o seu saldo ficou devedor.

- Sim, os juros comeram todo o meu saldo credor.

- O banco gostaria muito que a senhora continuasse conosco porque a senhora é muito importante pra nós.

- Você quer dizer que a minha conta é muito importante pra vocês, né?

- Há várias propostas que nós podemos fazer pra a senhora ficar conosco.

- Obrigada. Eu já tenho um banco.

- Nós podemos isentar a senhora da taxa de manutenção da conta por seis meses.

- Não quero. Eu já tenho um banco. E o meu é bom.

- Mas a senhora pode precisar de uma outra conta futuramente.

- Não adianta. É igual namorado. Se eu já tenho um, então não preciso de outro.

- Mas o outro candidato talvez seja mais atraente que o namorado da senhora.

- Quer fazer o favor de fechar essa conta duma vez?

- Calma senhora. Se o seu namorado não está dando conta do recado nós temos a solução. Empréstimo em folha, com juro fixo, para a senhora tirar férias no Caribe, e conhecer uns gatos que vão deixar a senhora bem relax.

- Eu vou processar esse banco. Espera só pra ver.

- Não faça isso senhora. A senhora é uma pobre coitada duma pessoa física sem advogado e nós temos os melhores advogados à disposição da nossa pessoa jurídica, é uma perda de tempo. Relaxe e goze, enquanto nós assaltamos a sua conta.

- Cretina.

- Cretina não minha senhora, retina. A senhora que está precisando fazer uso da sua retina para enxergar a realidade.

- Deixa assim, eu ligo mais tarde e falo com a outra atendente.

- A outra é pior ainda senhora, desista de fechar a sua conta. Nós vamos continuar roubando o seu rico dinheirinho por muito tempo ainda.

- Bruxa! Eu quero fechar essa conta agora!

- Ai, tá bom, tá bom, eu fecho, também não precisa ficar nervosinha.

A OLINA E O MOTO-BOY



- Alô, é da farmácia?

- É. O que deseja?

- Tem Olina?

- Tem. Da grande ou da pequena?

- Da pequena. É só pra agora.

- Vai tomar tudo de uma vez?

- Com gelo e limão.

- Tu é alcoólatra?

- Tô deixando.

- Bebendo caipira de Olina?

- Essa aí é só pra comemorar uma semana sem álcool.

- Por que não compra cerveja?

- Porque a família tá de olho em mim.

- Tão te vigiando é?

- 24 horas.

- E por que não vai no bar?

- Não dá meu, eles avisaram o barman pra não me vender.

- Tá legal, tô te mandando, mas é só dessa vez, viu?



- Oi, aqui que pediram uma Olina?

- Isso. Tu tem troco pra vinte?

- Não.

- E agora?

- Tu não avisou que ia precisar de troco.

- Faz seguinte, leva essa nota e já deixa pago mais uma Olina.

- Tu conhece o vendedor?

- Conheço. Depois eu ligo pra ele.

- Tchau.

- Tchau. Ei, volta aqui. Me dá a minha Olina.

- Cabeça a minha! É que eu tava pensando na carne que eu ia assar...

TRUQUES DE PASSAGEIRO




Maria dá uma nota de 50 reais pra o cobrador.

Cobrador: Não tem troco. Dá pra esperar um pouco?

Maria: Eu já vou descer.

Cobrador: Então desce pela frente.

Maria sempre usa esse truque para não pagar a passagem.





O ônibus pára no ponto escolar.

Cobrador: Só o passe, sem carteirinha, por favor. Subindo e passando. Subindo e passando.

Nick passa a roleta, bate a ficha na mesa do cobrador, mantém a mão em cima e depois guarda a ficha no bolso.

Seu colega Jack cochicha no ouvido dele.

Jack: Como você faz isso?

Nick: Engano o cobrador com o som da ficha batendo.

Jack: Mas ele não vê que tu recolhe?

Nick: Ele vê a do próximo que entrega em seguida.

Jack: Mas esse teu truque só funciona em dia de movimento, não é?

Nick: É.




Rodrigo está sentado no assento do corredor quando entra uma garota com uma mochila pesada.

Rodrigo: Quer que eu segure a mochila?

Garota: Sim. Por favor.

Cavalheirismo hoje em dia está resumido a segurar bolsa.




Cobrador: Um passinho à frente, faz favor.

O ônibus está lotado e as pessoas estão tentando passar pra o fundo. Felix, que está em pé no corredor, se segura no ferro e sobe no encosto do banco à sua frente, pra dar passagem atrás de si. Em seguida desce rapidamente com a destreza de um animal silvestre. Depois fica rindo sozinho.




Vitor está atrasado para uma festa. São só algumas quadras até o local da festa. Vitor pega o primeiro ônibus que passa no ponto.

Vitor: Este ônibus vai pra Praça 15 de novembro?

Cobrador: Não.

Vitor: Então vou descer na próxima.

Vitor usa esse truque pra ganhar tempo e dinheiro.


ODISSÉIA NO ÔNIBUS ESCOLAR




O motorista faz uma curva fechada para entrar no retorno.

Motorista: Segura aí pessoal que eu não me responsabilizo.

Catarina dirige-se à porta dos fundos para descer e fica muito irritada porque o motorista não pára no ponto de ônibus solicitado por ela.

Catarina: Só porque são estudantes pensa (o motorista) que são ignorantes.

Catarina desce na próximo ponto indignada prometendo ligar para o 0800 da companhia.

No final do ônibus Diego, que está acompanhado dos colegas, se manifesta, irônico.

Diego: Que idiota! Tu não estudas pra ficar mais burro.

Eliane se levanta pra descer. Nesse momento alguém aperta a campainha.

Eliane: Alô!

Eliane se dá conta que não é um telefone e ri sozinha.

Um ladrão encosta a arma na barriga do cobrador.

Ladrão: Passa tudo.

O cobrador tira um bloco de cédulas do bolso e entrega para o ladrão.

O ladrão pressiona e ameaça o cobrador.

Ladrão: Tudinho. Se não já era.

O cobrador ensacola as moedas e passa para o ladrão.

O ladrão começa a ficar nervoso.

Ladrão: Tá chegando a parada. Faltam os vales.

Cobrador: Só tem vale estudante.

Ladrão: Não interessa!

O cobrador reúne os vales e deposita tudo na mão do ladrão.

Cobrador: Leva. Tem vale pra uma faculdade inteira. Aproveita para estudar e vê se vira um cidadão decente.

O ladrão desce pela porta da frente e sai correndo.

O cobrador abre a janela do ônibus e grita pra o ladrão.

Cobrador: Delinqüente!

Um brigadiano à paisana desce pela porta dos fundos e atira no ladrão pelas costas. O ladrão cai estirado no chão gemendo.

O motorista pára o ônibus. O cobrador desce depressa e pisa nas costas do ladrão.

Cobrador: Me devolve tudo.

Ladrão: Deixa os passes. Eu vou estudar.

Cobrador: Ah, vai sim. Quero tudo. Tudinho.

Brigadiano: Se não já era.

Armindo desce do ônibus e nocauteia o ladrão.

Armindo: Pega essa grana duma vez e vamos embora que eu tenho horário marcado.

Cobrador: Tu matou o delinqüente?

Armindo: Olha o cara! Ficou com peninha.

Brigadiano: Não matou não. Volta pra o ônibus que eu cuido do bandido.

No fundo do ônibus Diego expressa a sua raiva.

Diego: Bandido bom é bandido morto.

Cobrador: Ele não está errado. Está apenas equivocado.

Armindo: Deve ser um desses órfãos do tráfico. Mas com certeza já tem uma mãe adotiva.

Riso geral.

Diego: Deixa o cara. Ele ficou com a Síndrome de Estocolmo.

Armindo: Aguda. Só faltou levar pra casa.

Cobrador: Silêncio! Caso encerrado!

Um idoso atravessa a rua na frente do ônibus.

O motorista freia bruscamente para não bater nele. O idoso se assusta com o ônibus, tem um treco e cai estirado no chão. O motorista pára o ônibus e vai verificar o estado do pedestre.

Jonathan se aproxima do local e pensa que o idoso está morto.

Jonathan: Tu matou o coitado. Não sei pra que correr tanto.

Motorista: Não matei. Ele apenas se assustou e caiu aí estirado.

Jonathan: Matou sim.

Cobrador: Em vez de ficar aí parado acusando o motorista chama uma ambulância pelo menos.

Armindo: Já estou atrasado meia hora.

Diego: É hoje o dia.

O idoso se recupera do susto, se levanta e sai andando.

Motorista: Falei que ele estava vivo.

Volta todo mundo pra o ônibus.

No fundão Diego e sua turma tagarelam.

Diego: Mulher só serve pra uma coisa.

Melissa: Eu sei cozinhar.

Diego: Então tu serve pra duas.

Melissa: E tu não serve pra nada.

NA ESCOLA DE NATAÇÃO



Aluno: Vou me matricular na raia livre.

Secretária: É necessário um atestado médico.

Aluno: Ah moça! Eu não trouxe. Mas eu fiz um eletrocardiograma ainda na semana passada e deu tudo normal.

Secretária: Eu lamento, mas infelizmente não é possível fazer a matrícula sem o atestado médico.

Aluno: O que vão fazer com ele? Nunca me pediram isso em nenhuma escola de natação.

Secretária: Vão consultá-lo caso você passe mal dentro da piscina.

Aluno: Olha moça, as chances de isso acontecer são mínimas. Eu nunca tive qualquer problema de saúde.

Secretária: Mas já aconteceu de alguém ter que ser retirado às pressas de dentro da piscina e não faz muito tempo.

Aluno: Eu me garanto. Já nadei em vários clubes conceituados sem causar qualquer transtorno.

Secretária: São normas da casa. Eu só cumpro ordens aqui.

Aluno: Ninguém vai ficar sabendo. Eu vou ficar bem quieto. Prometo.

Secretária: Assim que você trouxer o exame poderá se matricular.

Aluno: Mas eu estou muito a fim de nadar hoje ainda. Eu até trouxe a sunga, o óculos, a touca, a toalha, o chinelo, todo o kit piscina.

Secretária: Você pode me trazer o atestado dentro de uma semana?

Aluno: Posso. Posso.

Secretária: Então preencha esta ficha, por favor.

Aluno: E se eu tiver um piripaque na piscina?

VERSÕES DE FATOS




Esperto: Você viu que os ladrões deram pra roubar fio de cobre da beira das estradas?

Sabido: Pois é, o cobre é o terceiro metal mais valioso, só perde para a prata e o ouro. Sem contar as ligas metálicas, é claro.

Esperto: Nesse caso dá pra dizer literalmente que os ladrões passaram a mão nos cobres.

Sabido: Isso ainda vai dar muita dor de cabeça para a companhia estadual de energia elétrica, porque o Brasil não tem muitas reservas naturais de cobre. Porém há grande abundância de alumínio no solo brasileiro. Talvez seja uma alternativa.

Esperto: Mas não dissipa muita energia?

Sabido: Sim, os fios teriam que ter um diâmetro maior, o que aumentaria o seu peso. É um mero detalhe.

Esperto: Sabia que lá na minha cidade estourou um transformador na central de energia elétrica? Foi de madrugada, bem tarde. Cidade do interior, todo mundo religioso, pensaram que era o fim do mundo, ou um prenúncio deste. Ouvi dizer que clareou o céu todo. E o barulhão foi ensurdecedor. Eu não ouvi nada porque tenho sono de pedra, se não tivessem me contado nem teria ficado sabendo. Deram uma explicação fajuta para o ocorrido. Falha humana, óbvio. Mas me pareceu meio invencionice para acalmar os ânimos da população, que ficou horas sem energia elétrica.

Sabe que as pessoas não mentem, elas apenas contam historinhas fictícias. Nem tudo que a gente lê e ouve é literal. Eu fico impressionado que eu invento umas estórias, conto pra as pessoas e todo mundo acredita.

Sabido: Isso que você me contou agora é verdade, né?

Esperto: Ah! Você se ligou. Mas isso que eu lhe contei agora é verdade. É verdade. Pode crer.


CLORETO DE POTÁSSIO




Vendedor: Em que posso ajudar?

Cliente: Tem Cloreto de Potássio?

Vendedor: Não sei, vou ver.

Farmacêutico: KCl: K de Kubitschek, Cl de Cloreto. Tu sabe pra que serve?

Cliente: Para repor cloreto e potássio.

Vendedor: Tu sabe o nome?

Cliente: Slow-K.

Farmacêutico: Tu tem a receita médica?

Cliente: Tenho.

Farmacêutico: Cadê?

Cliente: Eu não tenho a receita, mas eu fiz exame e deu deficiência de cloretos.

Vendedor volta trazendo a caixa.

Cliente: Eu sei que esse remédio é perigoso, se exagerar vai pra o buraco.

Cliente paga para Vendedor e espera o troco.

Cliente para Farmacêutico: Qualquer coisa eu te convido para o enterro.

Farmacêutico: Não, mas para ir em enterro tem que levar copo de leite, então é melhor não morrer.

Cliente: Tá com medo de ir preso? Não te preocupa. Ninguém vai ficar sabendo que foi tu.

Farmacêutico: A minha sorte é que a terra esconde os erros dos farmacêuticos.

Cliente: E dos engenheiros também.

Farmacêutico: Desgraça pouca é bobagem.

Vendedor entrega o troco para Cliente.

Cliente: Ai! Estou enfartando!

Farmacêutico: Não te faz. Eu vi que tu ainda não tomou.


CONTO DE INTERNATO




Ano novo. Semestre novo. Colega novo. Tudo ocorre normalmente, os três ocupantes do quarto 11 recepcionam o colega recém chegado com um aperto de mão e um tapinha nas costas. Jaime é o seu nome.

“Você se importa de dormir em cima do beliche?”, perguntam seus colegas.

“Para mim tanto faz”, responde o aspirante a alguém na vida.

A disposição das camas fica assim: No beliche 1, William em baixo e Frederico em cima. No beliche 2, Vilson em baixo e Jaime em cima.

Nove e meia em ponto a luz apaga. Tateando no escuro Jaime encontra a escada do beliche e após aninhar-se em baixo das cobertas com o coração apertado de saudades do lar, ele deseja boa noite aos seus mais novos amigos. A resposta vem em coro e em poucos segundos ele adormece.

À meia-noite o quarto 11 resume-se a um quarteto de roncos e assobios. A madrugada avança lentamente, pé ante pé. De repente ouve-se um grito. É Vilson:

“Aaaaai! O que é isso? Está chovendo em mim. Não acredito! Está chovendo em mim”.

William e Frederico acordam-se. William acha que Vilson está sonâmbulo. Frederico acha que ele está fazendo graça. Então Vilson levanta-se, sacode Jaime e ralha:

“Escuta companheiro, tua mãe não te ensinou a urinar no mictório?”.

No dia seguinte Jaime é democraticamente obrigado a dormir na cama de baixo. A partir desse dia o novo interno cai na boca dos brincalhões do colégio que zombam dele: “Não esquece de colocar a fralda para dormir viu neném?”.

Não obstante ele se forma, entra na faculdade e se torna alguém na vida. O quê? Engenheiro hidráulico.


UM GIGOLÔ SEDUTOR




O irmão da mulher não agüentava mais as constantes reclamações dela sobre o amante. Ela vivia já a tempo com um sujeito aderente que exigia uma mesada dela para “cuidar da família dele”. Num belo dia tomou uma decisão: encostou o caminhão na frente da casa dela, esvaziou os cômodos e carregou a indecisa pra o Amapá.
Tempos depois as primas comentavam o caso enquanto tagarelavam com as amigas na varanda.

Amiga 1: Nossa! Mas o que será que esse cara tem?

Prima 1: Eu não queria experimentar.

Amiga 1: É bonito pelo menos?

Prima 1: Nada. É feio.

Amiga 2: De certo faz um bom serviço.

Prima 2: É gigolô. Ele é um gigolô.

Amiga 2: E ela não reclamou?

Prima 2: Olha minha filha, isso ali foi um alívio para todo mundo. Ela já estava há uns 15 anos com esse homem, um tipo de vício, sabe?

Prima 1: Fazia mal pra ela. Consumia os recursos dela, mas ela dependia psicologicamente dele.

Amiga 1: Típica auto-destruição.

Prima 1: Eu não tenho do que reclamar, ele sempre me tratou bem. Até podava o meu jardim só pra me agradar.

Amiga 2: Te enganou também. Isso aí é homem que entende de mulher. Por isso que ela não conseguia largar dele.


DIÁLOGO MUI ÍNTIMO




Marido: Se eu fosse mais bonito eu largava dessa véia.

Visita 1: Tu não larga porque tu não sobrevive sem ela.

Marido: Meu problema é a roupa.

Visita 2: Paga uma lavadeira.

Visita 1: Amiga da onça!

Visita 2: Ora, se ele viuvasse iria precisar de uma lavadeira.

Visita 3: A gente casa com quem merece.

Marido levanta a sogra da cadeira de rodas, pega nos braços e a carrega para o quarto dela.

Marido: Feliz foi Adão!

Mulher: Ontem eu falei com um rapaz desses bem bonitão.

Marido: E aí?

Mulher: Ele me convidou pra sair.

Marido: Velha mentirosa!

Visita 1 lê uma revista enquanto o pinhão assa na chapa do fogão à lenha.

Visita 1: Olha só o que diz nessa revista: Antigamente a cama do casal tinha lugar para todas as visitas.

Marido solta uma gargalhada.

Visita 2: Sim, para o cachorro, para o papagaio...

Visita 1 pra Mulher: Tu deve ser uma boa mãe, né?

Mulher: Boa até demais.

Visita 1: Por que?

Esposa: Porque eu mimei o meu filho demais, agora ele respeita mais o pai dele do que eu.

Visita 3: Ela manda nele.

Mulher: Não vou nem te responder. Se eu mandasse nele ele não teria ido morar fora de casa.

Visita 1: A gente sempre respeita menos as pessoas com quem a gente tem maior intimidade.


TECLANDO COM O ALTER EGO




Melynda: E aí brother?

Me: Oi!

Melynda: Não sei usar esse negócio direito, rs...

Me: Quem é tu?

Melynda: Não aparece meu nome aí? Falei, ainda não sei usar esse negócio.

Me: Cruzes! É um hacker!

Melynda: Não tá me conhecendo?

Me: Não tem ninguém com o nome igual ao meu. Só se for um clone.

Melynda: Não te faz.

Me: Não acredito que estou teclando com o meu alter ego virtual.

Melynda: Como está o teu ursinho branco?

Me: Que ursinho branco?

Melynda: Vai te catá...

Me: Estou escrevendo um imeil para o meu amigo Fernando.

Melynda: Tá trovando o moço?

Me: Não esse aí é de domínio público. É igual o IG. Ah! Já sei o que houve. É que eu te mandei um convite pra o gmail com o meu nome.

Melynda: E agora o que eu faço pra mudar?

Me: Eu percebi o equívoco e depois te mandei outro convite com o teu nome. Procura aí.

Melynda: Não achei.

Me: Me enganei. Não te mandei não.

Melynda: Não tem conserto?

Me: Sei lá. Procura aí.


ANTOINE, BARTIMEU E COSQUINHA




Bartimeu: Entrei numa academia.

Cosquinha: É a academia do instrutor tião.

Bartimeu: Vou ficar todo definido, daí eu quero ver.

Antoine: Está fazendo ginástica pra as vistas?

Cosquinha: É que o tião é o colírio dele.

Bartimeu: Vou trocar a minha barriga tipo barril por uma tipo tanque, daí eu quero ver.

Antoine pra Cosquinha: Eu acho que ele está precisando ir no oculista.

Cosquinha: Ele anda esquentando o banco do esteticista.

Bartimeu: Fiz implante de cabelo. Dez mil fios.

Cosquinha: Quem diria. Tu contou?

Antoine: Acho um desperdício de dinheiro. Tu não vieste ao mundo sem cabelo?

Bartimeu: Por isso que eu vivia chorando.

Cosquinha: É cabelo natural?

Bartimeu: Implantaram os pelos do meu peito.

Antoine: Máquina zero te deixa igual galã de cinema e não gasta um tostão.

Bartimeu: Passa muito frio no inverno.

Antoine: Bota uma touca de lã.

Bartimeu: Estou usando protetor solar todos os dias.

Antoine: Hidratante também?

Cosquinha pra Antoine: Só falta ele usar óleo de amêndoas.

Bartimeu: Estou pensando em depilar a minha axila.

Cosquinha: Pede pra o tião que ele depila.

Antoine: Estás ficando metrossexual.

Bartimeu: Não importa, porque isso é uma coisa que já está no passado.


MONÓLOGO DE BÊBADO




O bêbado entra no ônibus pinga-pinga e senta em um banco de encosto alto em frente a uma mocinha com um libreto na mão.

Bêbado: Como Deus é bom!

Bêbado: Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

O cobrador se aproxima e tira a passagem do bêbado, depois fica encostado no banco perto da mocinha escutando o monólogo.

A mocinha brinca com o cobrador girando o dedo na orelha dela, zombando do bêbado.

Bêbado: Ô moça! Tá muito vento aí?

Mocinha: Está um pouco.

O bêbado fecha a janela.

Mocinha: Obrigada.

Bêbado: Eu sou educado.

O bêbado bota a mão direita para trás e pega o libreto que a mocinha está lendo.

A mocinha puxa o libreto da mão dele e não fala nada.

O bêbado recolhe a mão.

Bêbado: Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

Bêbado: Como Deus é bom.

Bêbado: O Diabo blá blá blá.

A mocinha que estava ouvindo tudo atentamente pensou: O Diabo o quê? O bêbado baixou o volume no final e ela não conseguiu ouvir o restante da frase.

Bêbado: Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

Bêbado: Quando a gente era criança blá blá blá.

A mocinha não conseguiu ouvir o final da frase de novo.

Bêbado: Deus é bom. Jesus é melhor.

Bêbado: Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

A mocinha entende que uma coisa é Deus e a outra coisa é a cana.

Bêbado: Se Deus é por nós quem será contra nós?

A mocinha continua prestando muita atenção.

Bêbado: Jesus te ama e eu também.

Mocinha: Te liga.

Bêbado: Atrás o mundo, Jesus na frente.

Bêbado: Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

Bêbado: Eu não bebo não senhora. Pra o inferno a minha alma se eu tiver mentindo.

Bêbado: Como Deus é bom!

Bêbado: Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

Bêbado: Chega Gervásio! Fica quieto agora. Tá todo mundo te olhando com a cara feia.

A mocinha deu um sorrisinho. Bêbado espirituoso esse!

O bêbado coloca as duas mãos para trás e agarra o libreto que a mocinha está lendo.

Mocinha: Peraí. Tá invadindo o meu espaço.

Bêbado: Desculpa! Eu tava brincando.

Mocinha: Eu sei.

O bêbado levanta-se e desce do ônibus.

Cobrador pra mocinha: Acabou a bebedeira?

A mocinha sorri apenas.


GRAMÁTICA LATINA




- Como é que se fala? É inadimplente ou enadimplente?

- É inadimplente. In é um sufixo que significa não. Por exemplo: incompetente é a negativa de competente, quer dizer, não competente. In é o sufixo de negação em latim. Se for em grego é a. Por exemplo: anancefalia é quando alguém nasce sem cérebro. Do grego céfalos que significa cérebro.

(In não seria um prefixo?).

(Sem cérebro seria uma indireta?).

(Não seria mais apropriado anencefalia?).

(Alguém se manifesta na sala: O cara que sabe, sabe, né?).

- Então inadimplente significa não não dimplente, ou seja, dimplente? Um não em latim e outro em grego.

- Não, aí tu trocou as bolas. A palavra a ser negada é adimplente e não dimplente.

- Agora eu me inconfundi todo, afinal de contas, o que é adimplente?

- É como eles chamam o sujeito que paga as contas.

- E se o sujeito paga atrasado?

- Daí é inadimplente.

- Não, esse é aquele que não paga, tu não disse que in é um sufixo de negação? Como é mesmo o termo para atrasado?

- Late. Do inglês.

- Não. Eu quero saber em latim.

- Então. Latim não dizem que é língua de cão? Ora, o cão late.

- Aí tu tá me gozando.

- Tô te gozando desde o começo.

- Tu não presta mesmo. Tu é um emprestável.

FUGA PARA A PRISÃO



"Doutor, eu tenho a consciência pesada por causa da sorte dos meus filhos. O mais velho, desde cedo se meteu com as drogas. Me dá tanta tristeza que até choro. Todo fim de tarde ele sai pra fumar baseado. Depois vem pra casa falando bobagem, pergunta o que tem pra jantar centenas de vezes. Eu fico nuns nervos! Essa droga parece que desliga a memória. Por último se meteu com drogas pesadas, tipo esse tal de êxtase, como é mesmo? Ah, ecstasy. Diz ele que se a garota encostar no ombro dele ele goza. É um chifre de rinoceronte turbinado esse êxtase. Só que ele está virando uma ruína humana. Daqui um pouco ele vai ficar todo envenenado e o corpo dele nunca mais vai conseguir voltar ao normal. Essas festas que ele frequenta, da média-alta, são repletas de entorpecentes. A gurizada está sempre na vanguarda das drogas.

Quando entrou na faculdade me animei, pensei que fosse criar juízo, que nada! Pegou outro vício, jogar baralho negro no bar. Não que um baralhozinho não distraia doutor, é que ele está indo mal nos estudos por causa disso. Acho que nem assiste às aulas pra ficar jogando. Outro dia arrumou uma namorada crente. Linda a menina. Pra dizer a verdade eu não fui muito com a cara dela, ou ela que não foi com a minha. Sei dizer que a gente não fala a mesma língua.

Eu já sinto culpa pelo meu filho estar desse jeito, fiquei preocupada que ele estragasse a guria. Ela é toda certinha. Liguei pra ela e aconselhei-a deixar dele, que procurasse alguém com a cabeça no lugar. Alguém que a merecesse. No fundo eu também queria me livrar dela, é claro.

Às vezes ele leva faca na mochila quando sai pra faculdade. Eu tenho muito medo que ele cometa um desatino. Já pensou se ele machuca a namoradinha crente? Vai sobrar pra mim. O pai dele não sei por onde anda. Vai ver até já se mudou de país. Uma vez fiquei tão angustiada que saí da minha casa e fui lá na faculdade atrás dele. Ele estava sentado no bar com a crentinha no colo. Quando me viu arregalou um olhão desse tamanho Ó. Gritou “Mãe, que tu tá fazendo aqui?”. Puxei ele pra um canto, pedi a faca e me fui embora sem dar explicação pra guria. Acho que depois ele contou pra ela. Mas ela é tão avoada que não liga pra nada. Ainda está na adolescência, pensa que o amor protege de tudo. Eu sei que ele gosta dela, mas drogado ele é capaz de qualquer coisa, só pra se parecer um pouco com o Kurt Cobain, aquele doido que se matou.

Eu fiquei surpresa de ver a guria no colo dele, parecia tão pura. Vai ver é só fachada, no fundo é como as outras. Afogueada. Eu já não boto a minha mão no fogo. Tu sabe o que eu li na porta do banheiro lá na faculdade? “Se puta fosse bala e maconheiro fosse fuzil a UFRGS tava pronta pra defender o Brasil”. Acho que isso diz alguma coisa não é? Se bem que esse pensamento é do tempo que se dizia: lugar de mulher é na cozinha ou na cama...

O mais novo, esse eu botava fé que ia se dar bem na vida. Eu pressionei ele desde cedo pra ele não se meter com droga. Acho que ele ficou com um pouco de raiva de mim porque ele me olha de revesgueio, e me responde com palavrão, por mais que eu tente tratar o bichinho com amor. Eu não vou deixar ele sair pra festa antes dos 18. Vai ficar sempre em casa protegido dessa cambada de maloqueiros. Tentou fugir várias vezes mas tomou surra de cinta.

Agora eu estou muito aflita doutor, porque faz vinte dias que ele saiu pra visitar o irmão dele na cadeia e não apareceu em casa até hoje. Eu estou quase enfartando de tanta culpa. Eu sou uma péssima mãe. Já interroguei os vizinhos, já procurei os colegas dele, já estou a ponto de ir à polícia. Será que aconteceu alguma coisa de mal pra ele? Será que ele foi atropelado? Será que ele fugiu?".

domingo, 19 de outubro de 2008

VIAGEM NO TEMPO




Doutor Ronan sentou-se na poltrona, abriu o jornal e leu a manchete:

“SUICIDOU-SE GETÚLIO VARGAS:
VÍTIMA DA INFÂMIA DOS SEUS INIMIGOS
GETÚLIO VARGAS CUMPRIU A PROMESSA:
SÓ SAIO MORTO DO CATETE”

Em seguida fechou o jornal, pegou o seu netinho no colo e deu-lhe uma aula sobre a vida:

"Mais uma vítima do poder. Todo grande homem se suicida. Todo benfeitor da humanidade. Todo mártir. Todo libertador. Kennedy suicidou-se. Lincoln suicidou-se. Tiradentes suicidou-se. Gandhi suicidou-se.

Um que tentou se suicidar e não conseguiu foi o ex-presidente da França Charles de Gaulle. Tudo premeditado, mas na hora H o plano falhou. Seus soldados impediram.

Espera um pouco. Já faz tanto tempo que o Getúlio se suicidou que eu achava que esse assunto já tinha sido morto e enterrado. Jornal doido tchê! Ah, já sei. Só pode ser a coluna ‘Há 30 anos em Zero Hora’.

A avó Frida também se suicidou. Minha mãe me contou. Ela já estava há um bom tempo acamada em estado terminal. Um belo dia se levantou e se enforcou. Uma solução simples pra acabar com o próprio sofrimento. Autocompaixão!

Depois que ela foi enterrada cessaram aquelas reuniões regulares que a mamãe ia sem dar grandes explicações. Foi tão triste o enterro da vó Frida, e tão misterioso. Meus tios um pouco choravam, um pouco cochichavam pelos cantos. Tentei captar alguma coisa, mas a única palavra que consegui ouvir foi ‘terreno’.

A corda na qual a vó Frida se suicidou ainda está até hoje lá, pendurada na árvore. Fizeram com ela um balanço para eu brincar.

Não sei dizer porquê, mas naquela época se dizia lá na minha cidade “Alemão não pode ver uma corda que ele se enforca”. Só sei que tinha gente dos que vieram da Alemanha, que não estava em dia com a Justiça. Alguns vinham tentar salvar a situação financeira por aqui. Lá eram barões. Barões decadentes.

Outros mudavam o sobrenome para Pereira, Oliveira, Bananeira. Verdade. Tem bananeira por aí. E como gostam de genealogia! Isso aí é um vírus que te pega e tu nunca mais consegues te livrar dele. Sei do que estou falando. Eu vivo entre o Arquivo Público, o Arquivo Histórico e a Cúria Metropolitana.

No Arquivo Público não pode falar mal em voz alta dos antepassados porque aquele povo que vai lá acha uma falta de respeito. Eles meio que veneram os nossos ancestrais. Eu não. Eu gosto mesmo é de folgar nos meus antepassados.

Bom se eles pudessem vir aqui me conhecer. Eu iria amar. E eles iriam ficar boquiabertos com a tecnologia. Então eu iria mostrar para o meu decavô a cidade do futuro. Não tem poluição, não tem trânsito lento, não tem assalto, não tem mendigo, não tem pobreza, não tem tanta coisa que tinha no tempo dele. Meu decavô serviu na Guerra do Paraguai. E voltando da guerra fazia cama sobre os cadáveres. Hoje nem guerra tem mais, está tudo mudado.

Eu adoro essa cidade, moro no quinto andar dela, trabalho no sexto, vou à academia no nono, à igreja no terceiro e às compras no primeiro. O pessoal do andar de baixo não incomoda, nem o de cima fica andando de salto alto. Tenho um amigo que mora no sexagésimo andar. Fico com preguiça de subir as escadas até lá. Vou de elevador instantâneo.

Nosso prefeito foi muito feliz em ter planejado essa cidade toda em andares. É muito inteligente o homem! Ele explicou pra população que a gente mora, trabalha, estuda, faz compras, se diverte, em prédios de vários andares. Depois desce todo mundo pra o térreo. Não funciona! Não cabe! Por isso que ele bolou a cidade em andares.

Ela foi toda feita com nanotubos de carbono, esse material que é 100 vezes mais resistente e 6 vezes mais leve que o aço, tem condutividade elétrica 1000 vezes superior à do cobre e custa 50 vezes mais do que o ouro. O Homem-aranha que está fazendo a festa. O fio de nanotubo é 4 vezes mais resistente que a teia de aranha.

Espera aí. Estão batendo na porta.

-Meu decavô!


JOGO DE DAMAS V



David Coimbra prosseguiu o relato da sua noite de pesadelos:

- Bem, cansado como eu estava apenas virei para o lado caí em sono profundo outra vez. E fui cair justo no vestiário do Estádio Dubai Sports City no momento em que o Inter de Porto Alegre disputava a Copa Dubai com o Internazionale Milano. Por alguns minutos me diverti experimentando camisetas que se encontravam atiradas nos bancos: Zanetti, Cambiasso, Crespo, Cruz, Burdisso... já ia provar a do malvado Materazzi quando este entrou apressado amaldiçoando o juiz.

Larguei depressa a camiseta dele no banco e entrei no box do chuveiro. “Quem está aí?”, perguntou ele furioso. Fiquei sem saída, liguei o chuveiro e falei “Ahn?”. “Quem está aí?”, repetiu ele ainda mais enfurecido. Fiquei quieto. Materazzi voltou para o campo e eu troquei a minha roupa encharcada pelo uniforme reserva do atacante Ibrahimovic.

Materazzi entrou de novo. Estava fora do jogo. Tinha tomado um vermelhaço do juiz. Escondi-me depressa em baixo do banco e dali ouvi-o esbravejar: “Io te capo Fernandon”. Não resisti fazer eco com o seu nome: “Io te capo Materazzi”. O bicho endoideceu, gritou de novo: “Quem está aí? Eu vou chamar a polícia”. Fiquei quieto. Materazzi voltou para o campo. Saí debaixo do banco e descobri um celular perdido. Materazzi entrou no vestiário de novo. E eu entrei no armário. Fiquei espiando pelo buraco da fechadura. Materazzi procurou alguma coisa por cima dos bancos. Depois abaixou-se e procurou em baixo dos bancos. Por fim desistiu e voltou para o campo.

Saí do armário e tentei ligar pra casa. Ninguém. Materazzi entrou de novo me acusando: “Você que está aí me devolve o meu celular!”. E eu quieto atrás da porta. Materazzi me procurou nos boxes de chuveiro e não encontrando nada retornou para o campo. Peguei o celular e liguei para o Fernandão que me atendeu de imediato. Falei: “Fernandão tô preso aqui no vestiário do Dubai Sports City com o uniforme do Ibrahimovic e o Materazzi na minha cola. Faz favor, finge que tá passando mal e quando o paramédico vier te socorrer cochicha no ouvido dele que eu tô numa fria”.

Desliguei o celular e larguei-o em cima de um banco. Materazzi entrou pela quinta vez no vestiário. Pegou o seu celular e xingou a minha mãe. Eu fiquei quieto atrás da porta me roendo. Logo que ele saiu entraram os paramédicos. Puseram-me na padiola e meteram-me na ambulância até o final do jogo. Materazzi não entendeu nada. Ficou só no buzinisco. O cara é agressivo pra burro! Na verdade o cara é agressivo pra onça, entende? É que o burro e todos os animais que comem capim são bem calminhos. A qualidade deles é mais a força. Já a onça que come carne de animais herbívoros e assimila as suas substâncias estimulantes, é um pouquinho mais animada que o burro. A onça é do tipo que chega junto. Quando ela está com fome não vê limites. Ela invade até a tua casa.

Dali segui para a minha residência, saudoso das minhas vegetarianas. Chegando lá, que decepção! Um australiano havia chegado antes de mim e agora as minhas vegetarianas eram todas do guy. Era um tal de Singer. Até pensei que fosse o fabricante das máquinas de costura. Perguntei “Quem é o senhor?”. “Eu sou Peter Singer, o defensor dos animais”. “Não dá pra o senhor ciscar longe das minhas galinhas?”. “Deixa que elas decidam”. E elas optaram por ficar com ele. Menos mau que eu não tenha espalhado filhos vegetarianos por esse Vale de Lágrimas.

Deixa estar. Não demora muito o cantor australiano vai à falência porque essa cozinha vegetariana não é das mais baratas não. Só pra ter uma idéia a proteína do trigo custa tão caro quanto um dos melhores cortes de carne. E mais as tâmaras, damascos, pistaches, nozes, avelãs e amêndoas. Vai lá no Mercado Público ver quanto custa. Eu só vou ficar esperando, porque a minha antipatia não é com as vegetarianas e sim com aquelas folhas verdes repletas de lagartas que elas acham tão deliciosas. E ainda juram pela Mãe Natureza que não comem nada do Reino Animal. Já comeu goiaba branca, né? Então o senhor sabe que não só é verdade que a vaca, a galinha e a carpa estão cheias de vegetais, como é verdade que a couve, a goiaba e o caqui estão cheios de animais. Agora eu tenho que ir pra casa correndo continuar o meu sonho.

Não imagina que os micos me convidaram para comer com eles no sonho desta noite. Só espero que não me obriguem a comer banana. Eles vão ter que me desculpar, mas eu não sou chegado numa banana. E a onça! A onça também vai. Virou vegetariana, acredita? Por influência minha. Eu não tive a intenção. Só queria livrar a minha pele. Essa eu quero ver! A onça comendo alface. Pior! A onça me servindo alface. Se for alface desalfaciada eu como. Aaai! Que sono! Está chegando a hora.

JOGO DE DAMAS IV



Finalmente, cheguei à Caracas. E lá estando não pude conter minha curiosidade em conhecer Hugo Chaves, que naquele dia recebia a visita do presidente da Espanha. Milhares de pessoas se aglomeravam para ouvir o que eles tinham a dizer.
O rei da Espanha defendia o PVT: Proteína Vegetal Texturizada. Já Hugo Chavez levantou a voz em defesa do PVG: Partido das Vacas e Galinhas:

“Em tempos de Expointer, urge fazer uma pequena reflexão acerca de algumas espécies, como as vacas, as galinhas e as vegetarianas. Atenção! É claro que não quero comparar as vegetarianas às vacas ou às galinhas, embora saiba que, como amantes da Natureza, elas, as vegetarianas, não se ofenderiam com isso. Mas sei que vegetarianas, biólogas e castradores de gatos são muito suscetíveis, levam-se a sério, a gente não pode brincar com eles. Portanto, deixo sublinhado que, para mim, uma vegetariana é muito diferente de uma galinha e até mesmo de uma vaca. No entanto, defende-as, à vaca e à galinha, com todo o denodo, e é esse aspecto que pretendo abordar.
Comecemos pela galinha. Não gosto dela. A galinha é um dos bichos mais feios do planeta, só ganhando, talvez, da girafa. A galinha tem asas, mas não voa; tem pernas, mas não sabe correr. A galinha não morde, não bica ninguém, não tem esporão e nem mesmo canta. A única coisa que a galinha faz com proficiência é botar ovo. Um por dia. O que é muito importante. Certa feita, fui a uma avícola catarinense, em missão jornalística. O que lá vi calou-me fundo na alma, tanto que já escrevi a respeito. Descobri que, só em Santa Catarina, cerca de 1 milhão de galinhas são executadas a cada 24 horas. Pense: se as avícolas catarinenses nunca mais assassinassem galinhas, em dois dias teríamos 2 milhões delas cacarejando pelo vizinho Estado. Em três, quatro milhões. Em oito, a população galinácea equivaleria à humana do Brasil. Em um mês, à da China. Passado um ano, as galinhas ciscariam aos bilhões por toda a Terra!
Agora, a vaca. Ela não é muito diferente da galinha, nos quesitos animação e desenvoltura. A vaca só pasta, o dia inteiro, sem parar. Pasta e pasta e pasta, pachorrentamente. Bovinamente. No entanto, a vaca é grande e forte, pode enfurecer-se qualquer dia desses. Suscita certo respeito, pois. Mas o interessante, no caso, é que a vaca leva uma boa vida. Durante o tempo em que ela rumina nesse Vale de Lágrimas, a vaca come bem, passeia livremente pelos campos e é tratada com carinho. Quando é chegada a sua hora, encontra uma morte rápida e, dizem os pecuaristas, indolor.
Certo. Finalmente chegamos às vegetarianas, categoria pela qual, repito, cultivo sólida admiração. Vi que as vegetarianas fizeram manifestações na Expointer contra o abate de vacas, galinhas e quejandos. Porém, ah, porém, se a proposta delas vingasse, as vacas viveriam livres por aí, sem quem cuidasse delas. Teriam de procurar alimento por elas próprias, como os gnus na África. O que não é fácil. Não existiria tanto pasto disponível para uma vaca sem dono. O gnu sofre. Além disso, as vacas estariam expostas aos predadores, sem haver um único estancieiro que as protegesse.
Quanto às galinhas, seria pior: elas dominariam o mundo. Ciscariam aos bilhões por toda a Terra, consumindo os recursos, atacando homens e vacas e, por que não?, inclusive as vegetarianas tão bem- intencionadas, as biólogas mais formosas e os queridos castradores de gatos. Como num filme de terror. Como num pesadelo. Portanto, embora as vegetarianas gozem de todo o meu afeto, advirto: elas não devem combater a execução de certos animais. Isso pode se voltar contra elas mesmas!”.1

Após ouvir tal discurso, a turba irada enfureceu-se contra Chavez e já estavam a ponto de arrastá-lo para a crucifixão quando o rei da Espanha encerrou o caso: “Por que não te calas?”. Foi o suficiente para que Chavez silenciasse. E para delírio geral, as vigas de aço que sustentavam o teto do auditório encheram-se de rabos de micos-leões-dourados que atiravam tomates em Hugo Chavez. De repente deixaram de atirar nele e passaram a jogar em mim. Esvaziaram sacolas e sacolas de tomates em cima de mim. E pra o fastígio do meu marketing pessoal, porque marketing negativo é marketing e dos melhores, o teatro foi invadido por uma manada de bovinos que tentou me atropelar, em vão. Estavam indignados comigo porque, conforme me explicaram, eu havia desligado o botão da natureza que regula a produção, conservação e proporção convenientes de todos os seres do reino animal. Por conta de todo esse episódio singular eu acordei suado e com taquicardia. Agora pode o senhor me explicar tal pesadelo? Por que as vegetarianas trocaram as peças do meu jogo de damas por grãos e castanhas?

- É simples. As vegetarianas queriam te ensinar a comer proteínas do reino vegetal. Cada tabuleiro formava uma proteína completa.

- Por que os micos-leões-dourados atiraram tantos tomates em mim?

- Porque eles queriam te ensinar a gostar dos vegetais.


1Crônica publicada por David Coimbra na Zero Hora.


JOGO DE DAMAS III



No dia seguinte cedinho, despedi-me dos mosqueteiros, e pus-me a caminho, montado no Jego. Percorridas algumas milhas paramos para beber água num açude dentro de uma propriedade particular. Depois da sorte da noite precedente, o azar me trouxe um enxame de abelhas, que me picaram cada milímetro de pele exposta. E eu, fui obrigado, para não morrer, a me atirar no açude e segurar a respiração por algum tempo. Pobre Jego! Ficou tão desesperado que saiu correndo pasto afora sem saber o que fazer para me ajudar.

Passado o susto, arrastei-me por uns 10 passos longe do açude, o corpo todo inchado, e desmaiei. Fui recolhido pelo apicultor, um senhor de bigode preto, que viera ver por que o Jego corria para lá e para cá sem destino. O homem colocou-me numa cama e mediu minha temperatura: 39°. Minhas proteínas estavam quase se decompondo. Fui medicado e... pimba... desmaiei de novo. Na janela o Jego me espiava zeloso.

No meio da madrugada acordei do meu desmaio. O apicultor se achava em pé, defronte ao espelho, ajeitando o bigode. Falou uma coisa que me deixou de cabelos em pé: “Amanhã ele será meu”. No outro dia, cedinho, pegou a espingarda atrás da porta, e saiu de mansinho. Nunca mais retornou. Pelo que investiguei andava há dias tentando caçar uma besta fera, que todas as noites invadia a sua propriedade e liquidava com uma das suas ovelhas.

Na hora do almoço, como minha febre tivesse baixado, senti fome, e procurei algo pra comer. No armário da cozinha encontrei algo como alpiste. Peguei o pote na mão e li o rótulo: ‘Pólen de abelhas. O alimento mais completo da natureza’. Pensei comigo mesmo: “As vegetarianas não perdem por esperar, agora eu sei que o alimento mais completo da natureza é de origem animal”.

Passada uma semana desde o incidente com as abelhas, já me sentia melhor e, portanto, levantei acampamento. Pus-me a caminho outra vez. Porém, algumas dezenas de milhas adiante, desviei-me da rota para chegar em uma pequena cidade. Abasteci o Jego, que já estava na rapa de gás natural, e comprei um X-carne. Na saída da cidade detive-me, por um quarto de hora, ao lado do Jego, num ajuntamento de pessoas que viemos a descobrir ser um enterro.

Meus olhos literalmente saltaram da órbitas, quando distingui, em meio à multidão, o fantasma do apicultor, que vinha na minha direção. Disparei a mil por hora rua afora, e dobrei o máximo possível de esquinas para que ele me perdesse de vista. Meu coração batia acelerado. Vez por outra eu olhava para trás e ele continuava me seguindo. Não sabendo mais o que fazer para acabar com a perseguição do fantasma, atirei-me no chão; e ele passou por cima de mim como um vento norte desnorteado.

Assim que o meu coração voltou a bater em ritmo normal me levantei, e caminhei apressado em direção à estrada de ferro. Eu estava decidido a pular para dentro de um dos vagões do trem de carga e me mandar o mais depressa possível para bem longe dali. Assim o fiz. Minha queda dentro do vagão foi amortecida, felizmente, por uma pilha de sacos de estopa. Eu ainda estava bastante agitado, mas logo me acalmei e adormeci com a cabeça recostada na parede de ferro. Mais tarde acordei, olhei para cima, e contemplei as estrelas cintilando naquele lençol negro que é a abóbada celeste longe das luzes citadinas. Onde estaríamos? Não importava. Qualquer lugar era melhor que aquela cidade com suas assombrações. Viajamos a noite inteira, o cheiro de capim gordura me enchendo as narinas.

Não sei a que horas adormeci de novo. Só sei que ao despertar o trem estava parado, e o sol já se espreguiçava no horizonte. Ouvi o som de vozes e máquinas e concluí que logo começariam a encher os vagões de minério. Sem hesitar, apoiei meu pé numa fenda, me agarrei na borda do vagão, e pulei na terra, ansioso por descobrir o que havia lá fora. Sem que me vissem, me embrenhei mata a dentro em busca de algo que calasse a boca do meu estômago. Ora, eu um homem nascido e criado na cidade desconheço os perigos da mata nativa, e não tardou muito para que as suas surpresas me recepcionassem. Pisei em aranhas, dei nó em serpentes, depilei porcos-espinhos, arranquei chifres de rinocerontes, quebrei galhadas de alces e, finalmente, encontrei o que desejava: frutas. Enchi os meus bolsos e comi várias em baixo do pé, sem qualquer sinal de perigo. E, tão logo me satisfiz, pus-me a caminho de volta.

Estava muito bom para ser verdade. Não muito adiante o meu fantasma se materializou em forma de onça bem à minha frente. Imediatamente, pus-me de joelhos implorando por socorro. Quando abri os olhos a onça estava ajoelhada, mãos postas, em oração. Estupefato interrompi-a: “Com licença Dona onça, a senhora também é cristã?”. “Não, é que eu costumo rezar antes das refeições”. Senti um frio descendo pela espinha. Pensei: “Que tática usarei agora para me defender desarmado dessa onça agradecida?”. Pensei nas vegetarianas e nos direitos dos animais que elas tanto defendem, então apelei para a razão da onça: “Ei Dona onça, a senhora está desrespeitando os direitos dos homens”. A onça recuou um passo. “Dona onça a gente tem que levar um papo sobre ética humana”. A onça recuou mais um passo. Aí fui amolecendo o coração: “Dona oncinha, quer comer as minhas frutas?”. Dito isto, esvaziei meus bolsos das frutas recém colhidas, e larguei fora, antes que a onça mudasse de idéia e seguisse o seu instinto natural.

Saí correndo, pisando em caranguejeiras, e cheguei de volta à extração de minério em menos tempo do que o previsto. O trem já estava com a caldeira fervendo. Só deu tempo de eu pular pra dentro de um vagão e em seguida a locomotiva começou a se movimentar. Ouvi claramente quando o maquinista disse para o foguista: “Caracas! Aqui vamos nós”. Enchi-me de alegria, pois em breve alcançaria meu objetivo, meu alvo, meu goal. Exclamei entusiasmado: “Caracas! Até que enfim a civilização”.

JOGO DE DAMAS II



No primeiro dia, não tendo o que comer, pois a minha única fortuna era o Sedento, e eu o tinha em grande estima e valor, saí do meu sonho e fiz uma viagem astral até o sonho de Faraó, no Egito. Trouxe comigo as 7 vacas gordas e as 7 vacas magras, além das 7 espigas grandes e cheias, bem como as 7 miúdas e queimadas pelo vento oriental. Com esses suprimentos passei as primeiras 4 semanas, bebendo água, eu e o Sedento, nas bicas à beira da estrada. Confesso que a carga estava um pouco pesada, mas não me desanimei do meu objetivo.

Não posso esquecer de contar, que trouxe do Egito algumas folhas de papiros, nas quais escrevi o meu diário. E como sou ecologicamente correto, plantei juncos nas margens do Nilo, para compensar os que foram arrancados em função dos meus papiros.

À tardinha eu chegava em alguma propriedade e pedia: Dona, estou com uma fome, será que a senhora podia me dar um copo d'água? A dama não só atendia o meu pedido, como me oferecia refeição e pouso, que eu prontamente aceitava sem frescura.

No outro dia, logo cedo, montava no Sedento e seguia o meu caminho, admirando as plantações de pepino, de arroz, de abobrinhas. Numa das casas em que parei me deram 13 sacolas de abobrinhas. Pediram que eu levasse, por favor, que se eu não levasse iriam se estragar.

Naqueles dias que se seguiram, comi abobrinha a dar com pau. Já estava saturado de tanta abobrinha até que... chega de abobrinha! Despejei o restante em uma valo, para que apodrecessem e virassem adubo; até porque eu sou uma pessoa ecológica, se não teria jogado tudo na lata do lixo mesmo.

Quando meus mantimentos acabaram, decidi, com pesar no coração, vender o Sedento, que já estava pra lá de cansado. No fim acabei negociando o bichinho em troca de um jegue, acrescido de uma soma em dinheiro vivo. Achei que aquela quantia seria o bastante para eu me sustentar até o final da viagem. Para economizar instalei gás natural no Jego, esse era o seu nome.

Mais adiante encontrei, numa taverna, D'Artagnan e os três mosqueteiros. À vista deles desembainhei minha espada e chamei-os ao duelo. Minha alma ansiava por diversão, algo que me afastasse a monotonia. Derrubei-os um por um e, mais tarde, me levaram para conhecer o Sr. de Tréville, o capitão dos mosqueteiros. Contaram a ele da minha habilidade com a espada e ele ficou muito surpreso. Entretanto, sentindo-se humilhado pela derrota dos seus homens desafiou-me a enfrentar toda a sua tropa de elite. E eu, que não sou covarde, enfrentei-os bravamente até cair exausto no chão, com alguns ferimentos sangrando, donde me ajuntaram e me recolheram a um lugar seguro.

Divertiram-se muito às minhas custas. É notável o divertimento proporcionado pela luta. O povo clama por pão e circo! Fiquei com eles por alguns dias até que meus ferimentos sararam, então anunciei a minha partida. D’Artagnan protestou: “Hoje não, hoje você deve vir conosco ao desfile do estilista Alexandre Davy de la Pailleterie. É imperdível. Aqui está a sua roupa”, ele me disse, colocando um traje de gala nas minhas mãos. “Esteja pronto às 20 horas em ponto!”. Fiquei sem palavras, apenas fiz sinal positivo com a cabeça.

Passamos mais um dia brincando de espada e fazendo pilhérrias sobre o cardeal. Às 20 horas combinadas postei-me à porta, botas reluzindo, e gritei para D’Artagnan: “Estou pronto!”. O gascão disparou para fora da casa, descemos as escadas apressadamente e no caminho para o desfile agregaram-se à nós Athos, Aramis e Porthos, cada qual mais reluzente que o outro. Chegando lá tomamos os nossos assentos na primeira fileira, como convinha à guarda do rei e aguardamos ansiosos o início do evento. Porthos, que era o mais falante, avisou-me: “Daqui seguiremos para o tradicional baile de máscaras, você está intimado a vir conosco”.

Pra ser sincero doutor, não vi nada de excepcional naquela noite dita imperdível, exceto por uma dama que desfilou um longo vestido amarelo com uma fenda até a coxa. Seus cabelos loiros, ondulados, desciam até a cintura. Seu andar era como o de uma felina. Quando a vi soube haver encontrado a dama perfeita. Entrei em órbita. Ao passar na minha frente tirei-lhe o meu chapéu. Mas ela sequer me olhou. Seguiu a passos firmes olhando para o fundo do salão.

D’Artagnan e os três mosqueteiros não me desanimaram, pelo contrário, colocaram lenha no fogo. “Não pense que ela não o viu”, disse-me Athos, já na saída do salão, “é de praxe a dama fazer-se de difícil. Você terá que encontrá-la no baile de máscaras e convencê-la de que você é um mosqueteiro”.

Logo que entramos no salão de baile não consegui enxergar absolutamente nada, tão fraca era a luz dos lampiões comparada às luminárias do caminho. Apertei meus olhos à procura da nobre dama, mas parecia impossível distinguir qualquer pessoa por outro meio que não fosse a voz. “E agora?”, pensei alto. D’Artagnan riu-se de mim vendo o meu dissabor. Cochichou no meu ouvido: “Vá pelo perfume. Lembra-se quando ela passou na sua frente? Deixou cair uma pétala de flor perfumada. Eu apanhei-a. Aqui está. Agora vá procurá-la”.

Encostei a pétala perto das minhas narinas, e absorvi todo o seu aroma. Meus companheiros desapareceram em meio à multidão deixando-me só. Com certeza tinham o faro mais apurado que o meu. Tomei uma e outra taça de vinho, enquanto me entretia com as minhas fantasias a respeito da misteriosa dama. Aos poucos o salão foi se esvaziando. Foi tudo tão rápido. Quando meu cérebro finalmente conseguiu distinguir a realidade do devaneio, eu já tinha a posto ofegante sob o meu corpo suado. E, nossa doutor! Foi só um sonho. É uma pena!

JOGO DE DAMAS I




David Coimbra e as vegetarianas têm algo em comum, ambos adoram as vacas. Ele, no prato, elas, no pasto.

David Coimbra é um jornalista e escritor competente, corajoso e irônico, que usa, vez por outra, a sua coluna semanal, para fazer gracinhas com as vegetarinas, que ficam muito irritadas com ele. Elas mal sabem que ele só quer a atenção delas. Nada mais.

David Coimbra, uma bela noite, teve um pesadelo. Acordou todo suado e com taquicardia. Não tendo como decifrar o seu terrível sonho recorreu ao Dr. Ronan, o pseudoanalista. Eis a descrição precisa do sonho:

- Estava eu autografando a minha obra intitulada Jogo de Damas, em meio a holofotes de camera-men e flashes de fotógrafos, perante uma longa fila que descia escada abaixo do segundo andar da livraria Cultura, quando levantei meus olhos e mirei o leitor à minha frente. “David Beckham”. Ele deu um sorriso e recostou-se na cadeira: “É a sua vez”.

Voltei meus olhos novamente para a mesinha na qual autografava e lá estava, no lugar do livro, um tabuleiro com 32 casas pretas e 32 casas brancas alternadas, contendo 24 peças, 12 para cada lado. Mas as peças, ah meu Deus!, as peças eram pequenos grãos de soja. Pensei: “Só pode ser obra das vegetarianas”.

Pois bem, o jogo prosseguiu e David Beckham fez uma dama. Não acreditei quando me dei conta que a dama era a sua mulher Victoria. Vais tu vou eu, vais tu vou eu comi a danada. Que sabor! Infelizmente não consegui comer todos os grãos de soja do Beckham e ele ganhou. Pudera! É um craque! Quando retirou meu último grão do tabuleiro a platéia toda dos meus leitorinhos vibrou.

Como a noite era minha, em vez de sair eu saiu Beckham, e sentou-se à minha frente Zinedine Zidane. De pronto a platéia começou a torcer por ele: “Zidane! Zidane! Zidane!”. Também gritei: “Se dane”. Fixei meus olhos mais uma vez no tabuleiro decidido a vencê-lo. Seria a revanche. Maldito! Malditos franceses! Hoje poderíamos ser pentacampeões. Novamente, as peças não eram peças. Desta vez, imagine doutor!, castanhas-do-pará. Bom, pelo menos eram maiores que os grãozinhos de soja, mais maleáveis. Certamente obra das vegetarianas.

Do alto de uma estante de livros, uma coruja tocou uma corneta, dando início à partida. Toque findado pronunciou o célebre “Que vença o melhor!”. Tive medo. Estes símbolos da sabedoria são de um mau agouro previsível.

Veja o senhor: Fui comendo castanha após castanha do meu adversário, e lá pela décima primeira meu fígado se ressentiu de tanta gordura. Retiraram-me às pressas em uma padiola. Administraram-me algo muitíssimo amargo e, como um lutador de boxe que se levanta do chão após um nocaute, retornei à luta. Com alguma dificuldade continuei comendo as castanhas do Zidane até que, após a última, sucumbi. Quero dizer, meu estômago devolveu tudo. Medicaram-me novamente e eu, cambaleando, fraco, enjoado, voltei à sala, satisfeito pela minha vitória. Sabia! Bem que eu tinha desconfiado daquela coruja. Não podia resultar em boa coisa uma coruja juíza. Para piorar a feiosa árbitra impediu que os fogos de artifício fossem estourados em minha homenagem. Alegou poluição sonora. Sorri satisfeito e gritei fairplay, quando Zidane retirou-se cabisbaixo.

Logo após entrou Ronaldo, o Fenômeno, acompanhado pela namorada. A coruja deu o sinal e a partida começou normalmente. Ronaldo moveu a primeira peça, aliás, o primeiro grão de feijão, e eu desloquei o meu primeiro grão de arroz. Ali estava o dedo das vegetarianas, outra vez. O mais interessante é que enquanto eu pensava qual jogada faria, Ronaldo discutiu com a namorada e terminou com ela. Agora era a sua vez de jogar e antes que ele levantasse a mão para tocar no grão de feijão já tinha angariado outra namorada. Era ainda mais bonita que a anterior. Assim prosseguimos, com o Fenômeno trocando de namorada a cada nova jogada.

A certa altura ouviu-se um som que, à princípio, ninguém conseguiu decifrar. Foi aumentando de volume e, enfim, entendemos: “Ronaldo tá gordo. Ronaldo tá gordo. Pshhta!”. Olhamos para todos os lados. Quem seria? Até que... fiat lux! Olhei para cima e dei de cara com um papagaio que conversava com a coruja. Quando viu que eu estava olhando para ele repetiu: “Ronaldo tá gordo. Ronaldo tá gordo”. E a coruja pediu silêncio: “Pshhta!”.

Ronaldo fez sinal que ia dar um sopapo no engraçadinho, mas eu consegui acalmar os seus ânimos com a promessa de trocar aquele feijão com arroz por uma feijoada. Os olhos dele brilharam! Encerrei a partida onde estávamos. Descemos para a praça de alimentação e deixamos o papagaio para trás falando sozinho. Ronaldo comeu até se fartar, agradeceu e foi-se embora sozinho.

Voltei para o meu posto. Em seguida assentou-se Kaká com a camiseta do Milan, como que me afrontando. Temi pelas minhas 12 peças. Juro! Imaginei na minha mente fértil que o Kaká trouxesse na bolsa um cheque do seu presidente e arrematasse todas as minhas 12 peças de uma só vez. Ainda mais com aquela coruja por perto me agourando. Dada a largada, dei-me conta que as minhas peças eram grãos de lentilha, e as peças do meu adversário, grãos de milho. Pareceu-me a comemoração do Ano Novo. Abriu meu apetite. Mandei vir churrasco e cerveja. Comi e bebi com o Kaká, trocamos figurinhas, e toda aquela farra me fez perder a concentração, de maneira que a vitória ficou para ele. Mas a camiseta dele ficou para mim. Vesti-a: I belong to Jesus. Até parece! Eu um seguidor de Cristo. Cristo era vegetariano. Ou será que Jesus comeu peixe com os pescadores?

Saiu Kaká e entrou o Ronaldinho Gaúcho vestindo uma camiseta do Pernalonga. Mal a coruja deu o sinal de start o Pernalonga pulou fora do peito do Ronaldinho e saiu andando pela sala. Desceu na praça de alimentação e voltou mastigando uma cenoura. E aí velhinho? Vai uma cenoura? Agradeci e tentei me concentrar no jogo. Pernalonga ficou ali me pentelhando, roendo aquela cenoura o tempo todo. Meteu-se no meu jogo, deu palpites errados, e eu acabei perdendo. Terminada a partida pulou de volta para o peito do Ronaldinho. Bem que dizem: o Ronaldinho mata no peito. Detalhe! Já ia me esquecendo de contar. As peças do jogo com o craque do Barcelona eram: do meu lado, grãos-de-bico; do lado dele, grãos de trigo. Minúsculos grãos de trigo. Essas vegetarianas!

Num relance, num piscar de olhos, não me encontrava mais na livraria Cultura e sim, em um restaurante chique em Dubai, juntamente com Beckham, Zidane, Ronaldo, Kaká e Ronaldinho. Peguei o cardápio e lá encontrei, argh!, bolinhos de grão-de-bico chamados falafel. Desci os olhos mais um pouco e li, ecas!, tabule, uma salada de trigo burgol. Que estranha coincidência com o meu último jogo de damas. Como sou carnívoro pedi kibe, estava ótimo.
Não demorou muito, uma comitiva acompanhando o xeque Mohammed bin Rachid adentrou o salão, e parou à minha frente. Para minha surpresa e alegria, o xeque pediu-me um autógrafo. Em seguida, convidou-me discretamente para uma reunião particular em sua residência.

Este declarou estar admirado sobre o meu conhecimento sobre as mulheres. Bebemos muito, às escondidas, enquanto conversávamos sobre o Jogo de Damas. Assim que o fogo do assunto se tornou em brasas, ele levantou-se e conduziu-me pelos corredores luxuosos do seu palácio, para que eu o conhecesse e apreciasse. E eu fiquei pasmo, mas não só por causa da edificação e de seus adornos. Esfreguei os olhos não querendo acreditar. Enquanto caminhávamos, dezenas e dezenas de mulheres saiam das portas que davam acesso aos quartos, e saudavam o xeque. Entre elas estavam, que horror!, entre elas estavam as vegetarianas, todas as vegetarianas. Eu sei que elas me reconheceram, mas disfarçaram. Provavelmente por respeito ao xeque. Eu sei que elas me adoram.

Essa foi a pior parte do pesadelo doutor, como é difícil para mim aceitar. Eu desejei-as, desejei que fossem minhas e não do xeque. Sendo assim propus um duelo de esgrima àquele soberano, e ficou combinado que o vencedor ficaria com todas as mulheres do seu harém.

Ainda baqueado pelas castanhas-do-pará, lutei até o amanhecer e, enquanto os cantores do Alcorão entoavam suas primeiras notas naquela manhã, fui declarado o vencedor. Por Alá! Alá me deu esta vitória. Fui nomeado xeque Califa Al David bin Coimbra, e designado para escolher as novas mulheres do soberano. Que honra! O magnata do petróleo ficou por demais satisfeito com as minhas escolhas. Presenteou-me com um camelo, um dos seus melhores camelos.

Numa determinada tarde andava eu em cima do Sedento, pelos poços de petróleo do xeque, quando me apareceu o Pequeno Príncipe. O principezinho destrinchou aquela sua ladainha sobre humanizar as pessoas e eu fiquei só ouvindo. Refleti sobre as palavras dele e lembrei-me do Pernalonga. Lembrei-me de que o seu inventor, ao ser indagado por que seus personagens eram todos animais, respondeu: “Porque é mais fácil humanizar os animais do que humanizar as pessoas”. Pensei, por um momento, na luta das vegetarianas para proteger os animais dos homens desumanos que os maltratam. Mas não cheguei a ter uma crise de consciência por ser um carnívoro assumido. Apenas refleti.

Ao retornar dos meus pensamentos o Pequeno Príncipe já tinha partido. E eu não me encontrava mais junto ao poço de petróleo. Achava-me junto à uma jazida de gás natural em território venezuelano. Imediatamente parti em direção à capital. Levei, para ser exato, 40 dias e 40 noites viajando.


UMA BATALHA NO CÉU




- Doutor o senhor acredita em anjos?

- Acredito.

- Em anjo da guarda também?

- Também.

- Então me responda: onde estava o anjo da guarda do meu filho quando ele morreu em um acidente de trânsito?

- Boa pergunta.

- Será que ele não conseguiu chegar a tempo?

- É possível, o céu anda meio congestionado.

- Mas ele podia ter planejado o socorro com antecedência e chegado antes do meu filho no local.

- Se ele soubesse a hora.

- E não sabia?

- Só Deus sabe a nossa hora.

- Não é a Morte que agenda o nosso dia?

- Ela é apenas uma alegoria.

- Deus queria que o meu filho morresse?

- Pergunta pra ele.

- Eu nunca mais poderei vê-lo?

- Poderá.

- Quando?

- A senhora pensa que ele está no Céu?

- Claro.

- Então espere ansiosamente pela sua hora.

- Até lá já terei morrido de saudades.

- Se a senhora estiver com muita pressa pode comprar uma passagem para o Céu.

- Chega rápido?

- Rapidíssimo.

- Onde compro?

- No aeroporto.

- Eu quero puxar a orelha daquele anjo da guarda.

- Não faça isso. Ele não merece.

- Ele foi muito irresponsável.

- Não foi não.

- Então me diga: onde estava ele quando o meu filho se acidentou no trânsito?

- Com certeza ele estava lá.

- Mas não fez nada.

- Isso não é verdade.

- De qualquer maneira, é um incompetente.

- Não seja ingrata. Ele fez tudo o que podia.

- Eu não consigo entender.

- Seu filho vale ouro.

- Houve concorrência?

- O anjo dele lutou muito.

- Faz sentido. Rasgaram o meu filho ao meio. Pobrezinho.

- Sinto muito.

- Também me acidentei. Meu anjo me livrou da morte.

- Uns ganham, outros perdem.

- Vai ficar no empate pra sempre?

- Não, claro que não. Tem que esperar o final do campeonato para saber o vencedor.


OLÍVIA, A ANORÉXICA



- Que há contigo Olívia?

- Eu tenho muito medo de engordar.

- Está comendo?

- Tô em No Food.

- Te sente bem?

- Meu prazer é não comer.

- Não tem apetite?

- Nada.

- Tu sabes que isso é uma doença?

- A ANA é minha amiga.

- O problema das mulheres é o PIB, sabe o que é o PIB?

- Não.

- Plano inatingível de beleza.

- Quero ser modelo.

- Plano palito.

- Quero ser magra.

- Por quê?

- Porque daí as pessoas vão me amar.

- Elas não te amam?

- Não. Elas me odeiam.

- Elas te amam. Tu te odeias.

- Euzinha?

- Divide a tua alma em dois, uma parte odeia a outra.

- Mas por quê?

- Porque tu te exiges demais.

- Se eu comer vou ficar gorda.

- Não vais. Eu vou te ensinar como.

- Eu não posso viver sem comer?

- Saco vazio não pára em pé.

- Não estou vazia, estou cheia de gordura.

- Está cheia de pele, ossos e órgãos. Mas não por muito tempo.

- Eu não vou desaparecer.

- Vai se consumir. Já viu os pobres no inverno? Queimam os móveis da casa pra se aquecerem. Assim é o nosso corpo quando falta energia.

- Não sabia.

- Eu sei que tu não sabias. A ignorância é a principal causa dos nossos males.1

- Não sou ignorante. Eu vou à escola.

- Na escola tu aprendes o português e a matemática, mas tu não aprendes sobre o funcionamento do corpo.

- Tem aula de biologia.

- Não basta. É preciso estudar o manual de instruções do corpo humano.

- Quem estuda o manual não tem medo de engordar?

- Não.

- Então eu tenho que mostrar esse tal de manual pra ANA.

1Rui Barbosa foi quem disse: “Ao nosso ver a chave misteriosa das desgraças que nos afligem é esta, é só esta: a ignorância popular, mãe da servilidade e da miséria”.

COLETIVA DE IMPRENSA




Repórter X: Que tu achaste da repentina troca do jogador Alexandre Pato do Inter pelo Milan?

Pseudoanalista: Alexandre Pato não joga a leite de pato.1


Repórter Z: Tu és gremista ou colorado?

Pseudoanalista: Sou maragato.2

Repórter W: O Internacional é a glória do desporto nacional?

Pseudoanalista: A glória é como a rosa: aroma e espinhos”.3

Repórter V: Por que tu decidiste ser pseudoanalista?

Pseudoanalista: Porque me dói ver as pessoas sofrendo. O homem não poderá ser feliz enquanto houver um único ser sofrendo sobre a Terra.4

Repórter Y: Há alguém em Porto Alegre que te faz sofrer?

Pseudoanalista: Sim. Os mendigos.

epórter Z: Interessante que há poucas mulheres nesta condição. A que tu atribuis este fato?

Pseudoanalista: É que o homem quando está sem dinheiro pede, e a mulher quando está sem dinheiro dá.

Repórter X: Elas também te causam sofrimento?

Pseudoanalista: Próxima pergunta.

Repórter W: Que outro evento como o Fórum Social Mundial poderia atrair turistas em grande quantidade à Porto Alegre?

Pseudoanalista: Um zoológico com um filhote de urso polar e uma porção de ativistas protestando. Por enquanto já temos os ativistas protestando.

Repórter Z: Tu votaste no Gaúcho Laçador pra símbolo de Porto Alegre?

Pseudoanalista: Votei. O Gaúcho Laçador é uma das sete maravilhas porto-alegrenses do mundo.

Repórter V: Por que o novo teatro da OSPA está demorando tanto para ser construído?

Pseudoanalista: Os caras ficam só fazendo movimento, dizem que vai ser aqui, depois dizem que vai ser ali. Primeiro foi o Allegro, todo mundo faceiro com o projeto; agora está no Andante, andando a passos de tartaruga. Te prepara que ainda tem o Minueto e o Finale, daí acaba a sonata e começa a sinfonia.5

Repórter X: Por que motivo a estátua da Justiça que fica no alto da antiga prefeitura de Porto Alegre não tem os olhos vendados?

Pseudoanalista: Vai ver é pra ela ficar vigiando a estátua da República que fica ao lado.6

Repórter Y: Qual é a tua música preferida?

Pseudoanalista: Porto Alegre é demais.7

Repórter Z: Qual é o teu esquema preferido?

Pseudoanalista: Ir ao Habib´s comer fogazza com recheio de vento negro. Acho bom enfatizar que isso não é boca de urna.8

1O ex-atacante do Internacional Alexandre Pato foi negociado pelo Milan por vinte e dois milhões de euros, tendo sido titular do Inter por apenas dez meses, e faltando dois meses para completar dezessete anos.

Jogar a leite de pato é fazer jogo inocente em que não se empenha dinheiro. Leite de pato é coisa inexistente que se pode perder à vontade. Fonte: Dicionário Brasileiro de Provérbios, Locuções e ditos curiosos. Autor: R. Magalhães Júnior.

2Os maragatos ou federalistas combatiam os sustentadores da política castilhista e borgista, isto é, aos adeptos de Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros, no Rio Grande do Sul. Tais revolucionários eram chamados de chimangos e usavam como distintivo um lenço branco no pescoço, ao contrário dos maragatos que usavam um lenço vermelho. Fonte: Dicionário Brasileiro de Provérbios, Locuções e ditos curiosos. Autor: R. Magalhães Júnior.

3Frase atribuída a Manuel de Araújo Porto Alegre.

4Postulado fundamental do Karma-Yoga. Mahâtmâ Gandhi foi o expoente mais alto dessa espécie de Yoga. Fonte: O ABC do Hatha-Yoga por Caio Miranda.

5Sonata é uma peça musical composta por quatro movimentos: allegro, andante, minueto e finale, para ser executada por um ou dois instrumentos. Sinfonia é uma sonata para orquestra. Fonte: Enciclopédia Barsa.

6No cimo do Paço Municipal (a prefeitura velha), uma estátua da Justiça contempla os porto-alegrenses. Essa é uma das raríssimas estátuas da Justiça, no mundo, que não tem os olhos vendados. Fonte: RS Virtual.

O Paço Municipal, também chamado de Prefeitura Velha, foi projetado pelo arquiteto italiano Carraro Colfosco, sob forte influência da doutrina positivista, e é guardado por dois leões de mármore que representam o poder e a força. As esculturas que ornamentam a fachada representam a Economia, a Educação e a Política.

Na fachada da prefeitura estão dois grupos escultóricos e duas estátuas isoladas. O primeiro grupo tem como elemento principal a deusa grega Deméter, ligada à agricultura e à fertilidade. Aos seus pés, estão sentadas as figuras do Comércio e da Indústria. O outro grupo é composto por uma réplica da Estátua da Liberdade, acompanhada da História (a figura à direita da estátua da Liberdade) e da Democracia (à esquerda). A figura sentada, nesse grupo, representa as Ciências.

Entre esses dois grupos estão duas estátuas isoladas. Uma delas é a da República: a que tem um barrete na ponta do cajado. A segunda é mais uma estátua da Justiça, mas diferente: não tem os olhos vendados. Fonte: RS Virtual.

7A Canção “Porto Alegre é demais” é de autoria de José Fogaça.

8José Alberto de Fogaça Medeiros assumiu a prefeitura de Porto Alegre pela primeira vez em 1º de janeiro de 2005. Vento negro é outra canção de sua autoria. Quem inventou a fogazza com recheio de vento negro foi o Tiago Casagrande. Olha só o que ele escreveu no blog dele "Bereteando":


“Porto Alegre acorda com garoa fininha, que compassada tamborila no guarda-chuva. Porto Alegre de asfalto lavado, e os plátanos chorando a paixão que perdi. Então eis que te vi, e ali logo soube haver amor; assim, pude sentir, que mesmo na chuva há calor.

Pronto agora é só alguém tocar o sambinha no violão. Aliás, que saudade de ir tomar ceva no bar do Nito.

Sábado conheci a garota mais linda da cidade. E ela cheira bem. Nuff” said.

Estamos a uma semana das eleições e eu não acredito no que está acontecendo. Eu estou perdendo todas as polêmicas! Vou perder a eleição, meu time de futebol vai ser rebaixado. Só falta Djisas himself descer e mandar fechar a conta dos nossos pecados.

Peraí. Não tem um bagulho no Habib’s que se chama “fogazza”? Tô dizendo! Doutor chega no Habib’s e, com uma piscadela, pede à atendente:

Bor favor, eu gostaria de um fogazza.

Qual o recheio?

Vento. Vento Negro.

Pode deixar.

A garconete pisca para o doutor e retorna em instantes com uma urna eletrônica. Um garçom de cabelo black power inicia uma demonstração de break dance sobre um pedaço de papelão e os clientes aplaudem. O gerente manda distribuir refrigerantes grátis. As pessoas riem muito e se abraçam. O doutor digita os números no dispositivo eleitoral eletrônico e é nesse instante em que entra Pterodáctilo e...

Esse esquete foi interrompido pela Lei Eleitoral Alimentar n° 9899/04.

Falando em fast-food, ontem aprendi a fazer molho Barbecue. Heh. Tri massa. Ficou igual. Na verdade, é uma mentira, é um maldito molho mentiroso. É só processar catchup adicionando cebola refogada, vinagre, temperitos variados e... taram... açúcar mascavo. Depois é deixar reduzir até caber num dedal.

Mas fica boooom. Servi com costelinha de porco assada e arroz com páprica.

Ah! Costelinha do Frigorífico Riosulense, da gloriosa Rio do Sul, Santa Catarina.

Na verdade, diz o rótulo que o frigorífico fica na vizinha Presidente Getúlio; e, por outras informações que obtive, cheguei à conclusão de que Rio do Sul não existe.

O que me deixa preocupado pra saber, então, onde está o Anderson?

Revi Pulp Fiction ontem. Cruzes! Fica cada vez melhor. Pena que o dvdripnburn não funcionou. Hoje tento de novo. Heh.

Ah! Kill Bill vol2 ficou pra amanhã. Depois da análise. Waaa.

Vai começar a Feira do Livro, que é a época do ano em que eu mais me apaixono por essa cidade.

Li na Aplauso que, terminada a Feira, começam obras para dar à Praça da Alfândega seu desenho original, dos anos 40. Que haverá nova iluminação e os hippies vão ser transferidos. Leio também sobre o projeto que pretende integrar o Cais do Porto à Feira; e que para ser seguro, precisaria de modificações do trânsito, a saber, a construção de um túnel na Mauá, em que os carros passariam em baixo da nova passarela de pedestres. Que barato.

É a última semana de outubro, o mês eterno. Sim! Vai terminar! É sério!”.

DÚVIDAS DE UMA ADOLESCENTE




Adolescente: Fui conhecer uma academia dessas de 150 reais por mês, tem aparelho de musculação até pra a orelha. A convite, fiz uma aula de musculação grátis, com um professor muito sarado, muito atrevido e muito descarado. Primeiro ele me comeu com os olhos, depois passou a mão em mim sem nem pedir licença, e por último me convidou para um evento social.

Eu prontamente aceitei e carente como estava me apaixonei num piscar de olhos. Não sei se fiz bem, mas declarei a minha paixão para o tal professor no evento em questão. E para minha completa tristeza, ele disse que estava a fim de outra pessoa. Eu não entendi nada, queria que o senhor me explicasse o que passou na mente dele, porque até hoje eu só conhecia homem que não rejeitava mulher dando sopa.

Pseudoanalista: Ele só queria tirar uma casquinha.

Adolescente: Tenho dificuldade em fazer amizade com os rapazes, porque eles não querem ser meus amigos, eles me vêem sempre como mulher e não como amiga. Acho que se eu fosse feia teria mais facilidade para ter amigos do sexo masculino. Conversei com um amigo Ph.D. em física, e ele me disse que não existe amizade entre homem e mulher. Desde então comecei a entender o comportamento dos rapazes comigo. O senhor acha que ele tem razão?

Pseudoanalista: Bah! Precisou o cara fazer doutorado pra descobrir isso.

Adolescente: Que o senhor acha de um rapaz com os músculos super desenvolvidos, e que tem um bichinho de estimação que seria mais apropriado para uma madame?

Pseudoanalista: No fundo ele queria ser uma madame.

Adolescente: Mas com toda aquela musculatura?

Pseudoanalista: Ele também queria ser o super-homem.

Adolescente: Ele tem complexo de pobreza, quero dizer, ele é encanado com dinheiro. Falou alguma coisa do tipo: “Só se eu ganhar na Mega Sena”.

Pseudoanalista: Com certeza ele queria ser milionário e andar de Mercedez-Benz.

Adolescente: Ele é crente.

Pseudoanalista: Ele queria ser perfeito como Jesus Cristo.

Adolescente: Ele tem meia dúzia de amantes e não quer saber de namoro sério.

Pseudoanalista: Ele queria ser o rei Davi.

Adolescente: Ele tem uma porção de amigos bivolt mas se diz heterossexual.

Pseudoanalista: Ele queria ser heterossexual.

Adolescente: Ele odeia jogar futebol mas é fã número 1 daquele loirinho que jogava no Grêmio.

Pseudoanalista: Quem?

Adolescente: O Lucas.

Pseudoanalista: No fundo ele queria ser o Lucas.

Adolescente: Ele é muito nervoso e se irrita com facilidade.

Pseudoanalista: Ele não queria ser o que é. Quer saber? Manda ele ir pescar.

Adolescente: Fico impressionada como o dinheiro transforma as pessoas, parece que quando um homem pobre se torna rico, seja por sorte, por desonestidade ou por trabalho árduo, a coisa sempre sobe pra cabeça, não é uma verdade?

Pseudoanalista: Depende. Às vezes desce pra o saco.


O DESABAFO DO AMIGO PUNK




- Pois é doutor, aí eu atravessei a Oswaldo Aranha e entrei no Parque Farroupilha, vendi dez adesivos e ganhei dez pila, depois fiquei com uma metaleira cheia de piercings, mais adiante encontrei dois amigos se divertindo com a marijuana e me juntei à eles. São meus parceiros, de dia a gente dorme igual coruja.

Não gosto da luz, fica todo mundo olhando atravessado pra mim como se eu fosse um bixo, à noite passo despercebido dos olhares preconceituosos. Fora o corre-corre, atropela-atropela, morre-morre do trânsito. À noite os veículos vão dormir e a gente pode andar à vontade pelo meio da rua.

Também tenho nojo, eu e os parceiros, dessas gurias que pintam o cabelo de loiro e passam no ferro quente. Elas me ignoram, pensam que eu sou inferior a elas só porque eu uso o cabelo diferente. Pelo menos eu tenho personalidade, elas são umas Maria-vai-com-as-outras, um bando de chinesinhas, tudo igual. Por isso que eu gosto da noite, é quando elas desaparecem da minha área. Se uma delas passa do meu lado eu cuspo na cara. Já fiz isso uma vez. Ela saiu furiosa me xingando enquanto corria apressada de mim como se eu fosse um marginal.

Pensa que eu não entendo as mina é? Eu sou o campeão da noite, mas só fico com a mina se ela for humilde, tá ligado? Já tive uma só minha. Infelizmente, ela morreu de AIDS há pouco tempo. Não fui eu não doutor. Eu tô com o sangue limpo, pode fincar a agulha e levar no Hemocentro. Ela cresceu na rua igual eu, não tinha lugar na casa do pai dela. Eu, nem pai tive, ele morreu baleado quando a vagabunda da minha mãe tava grávida de mim. Ninguém ligava pra a gente pedindo dinheiro no semáforo, no máximo davam umas moedinhas com a cara fechada.

Eu tô di saco cheio dessa indiferença da burguesia com a gente que já nasce sem futuro. E a única esperança de acabar com essa desigualdade social era o Fórum Social Mundial. Eles pensam que eu sou um mané, mas eu não sou não. Estudei até a oitava série no Julinho. Hoje eu podia ser doutor igual ao senhor. Também não vou ficar lamentando. Se eu tô nessa situação é porque Deus quis. Nada é por acaso. Pelo menos não sou político corrupto.

Nossa como eu viajo! Eu tava falando da roda de marijuana na Redenção com os meus parceiros. A gente ficou lá até as onze e meia trovando fiado daí eles me chamaram para ir no bar do João. Tava lotado como sempre. A gente bebeu todas, cheirou todas, azarou todas e passadas umas duas horas a gente ouviu uns gritos e saiu correndo na direção do som. Tava todo mundo em roda do presunto. Parece que ele tava devendo. Foi a última vez que o bar do João abriu. Logo chegou a polícia e a gente saiu correndo para não ser revistado da cabeça aos pés. Quando eram três da madrugada eu chegava em casa, com asa, desiludido da justiça humana.

E então doutor, o senhor vai ficar com um adesivo?

- Quanto custa?

- Pra o senhor eu faço por um real, só porque o senhor ficou dez minutos ouvindo o meu desabafo. Desculpa o bafo.

- Pega o teu real. Quero ver o que diz.

- Viva a Cannabis?

- Não, esse não.

- Paz e amor?

- Não, esse não.

- Anula lá?

- Não, esse não.

- Hay gobierno soy contra?

- Não, esse não.

- Sexo, drogas e funk?

- Não, esse não.

- Bush é busha?

- Esse, gostei desse.

- Tchau doutor.

- Tchau amigo punk.


O CASO DO PIÁ ATENTADO



- Tu pareces bastante abatido, o que está te incomodando?

- Ah, é uma parada aí.

- Que parada?

- Eu vi a minha namorada beijando outra guria.

- E aí?

- O senhor acha que ela gosta de mulher?

- Não, não te preocupa. Ela só faz isso pra se aparecer. Está na moda. Ela só não beija a parede porque iria parecer louca.

- E se fosse a tua filha?

- Se fosse a minha filha eu ralhava com ela: “Quer te aparecer vai desfilar na passarela”.

- Então é só para se aparecer?

- Sim.

- Mas eu me senti traído.

- Desencana.

- E se fosse a tua mulher?

- A minha mulher não tem necessidade de se aparecer.

- Ela já te traiu?

- Não sei nem quero saber.

- Mas deve ter alguém a fim dela.

- Quem? Tu?

- Na-na-não, e-eu não.

- Escuta aqui ô guri, de onde tu conheces a minha mulher?

- E-eu na-não co-conhe-nheço a tu-tua mu-mulher.

- Deixa de ser covarde piá, não vai acontecer nada contigo se tu falares, agora se tu não falares...

- Da Escola Técnica. Ela é minha professora.

- Ela está te dando bola?

- Acho que sim.

- Que ela fez pra tu achares que ela está te dando bola?

- Ela me deu uma nota erótica.

- Que nota ela te deu?

- Sessenta e nove.

- Setenta menos um. Ela costuma descontar um décimo de quem faz bagunça em sala de aula.

- Eu não faço bagunça.

- Alguém mais recebeu essa nota?

- Não, só eu.

- E o que tu fizeste?

- Nada.

- Que tu pretendes fazer?

- Absolutamente nada.

- Sabe de uma coisa? Eu sempre achei que a minha mulher devia ficar em casa cuidando dos filhos, agora está na hora de pôr em prática.

- Quer dizer que eu não vou mais ver a minha musa?

- Por precaução.

- Tu é bem machista mesmo.

- Tu me respeita ô chifrudo. Vai, vai.


GRÊMIO VERSUS BOCA JUNIORS




O pseudoanalista é torcedor do Internacional, porém sem nenhum ressentimento ou aversão contra os seus conterrâneos gremistas. Quer ver?

- Doutor perdi meu melhor amigo numa discussão.

- Coisa séria ou banal?

- A gente estava discutindo quem é o atual campeão do mundo.

- E aí?

- Ele disse que é o Grêmio.

- Mas é o Inter.

- Foi isso que eu disse pra ele.

- E ele respondeu o quê?

- Ele insistiu que é o Grêmio.

- Por quê?

- Ele alega que se um time ganha do atual campeão do mundo então torna-se o novo campeão.

- Argumento bem pensado e útil. Esse teu amigo é no mínimo um rapaz inteligente.

- Mas ele me agrediu.

- Decerto tu o provocaste.

- Eu disse pra ele que o timeco dele recém saiu da segunda divisão.

- E ele?

- Jogou na minha cara que eles foram vice na Libertadores.

- E tu?

- Falei que tinham perdido em casa pra o Boca Juniors na final da Libertadores.

- E ele?

- Ele falou: “A gente perdeu pra o Boca mas ganhou do meia boca”. Ele chamou o meu time de meia boca.

- E tu?

- Aí eu me irritei.

- O que tu falaste?

- Falei: “Melhor ser meia boca do que boca aberta”.

- E ele?

- Ele me deu um soco no ombro e disse que ia me apagar.

- E tu?

- Eu saí correndo.

- Mas são dois boca abertas mesmo.

- E agora o que eu vou fazer pra a gente se reconciliar doutor?

- Leva uma bandeira do Grêmio para ele com os dizeres “Campeão do Mundo”.

- Não posso, a torcida me mataria.

- Então troca de torcida e de time.

- Eu pensei que o senhor fosse torcedor do Inter.

- Eu torço pra o Inter porque não dá pra torcer pra os dois.

- Só? Não reconhece a nossa superioridade?

- Que superioridade que nada. Futebol é uma gangorra.

- Tá bom, eu compro a bandeira daí volto aqui e o senhor escreve “Campeão do Mundo” nela, depois eu embrulho a bandeira e mando pelo correio para o meu ex-amigo, combinado?

- Combinado.

- Tudo pela amizade.

- Com o teu amigo onde o teu amigo estiver.


TEORIA DO ESPIRRO




O pseudoanalista está atendendo um paciente quando ouve um espirro alto e prolongado na salinha de espera:

- A-A-A-Atchiiiiiiiimmmm.

Ele e o paciente entreolham-se e param pra ouvir.

Segue-se um “Saúde” da secretária e após um “Obrigada”.

Doutor Ronan dirige-se para o paciente e teoriza:

- Meu amigo, pra mim mulher que dá espirro espalhafatoso é safada e faz escândalo entre quatro paredes.

Terminada a consulta sai o paciente e entra uma mulher de aparência bastante jovem. O Dr. Ronan faz um questionário:

- Dois ou mais filhos?

- Sim.

- Faz sexo todo dia?

- Sim.

- Geme tão alto quanto espirra?

- Sim.

- Teu marido te acha muito puta?

- Sim.

- Já mandou ele catar coquinho?

- Sim.

- Estão brigados?

- Sim.

- Há mais de um dia?

- Sim.

- Já o traiu?

- Sim.

- Ele sabe que é corno?

- Não.

- Papagaio, tu só sabes dizer sim ou não?

- Não.

- Deita ali que eu vou te examinar.


A SESSÃO DE GNOSIS




O pseudoanalista é convidado por um amigo a assistir uma palestra sobre Gnosis. De tempos em tempos a cidade é coberta por cartazes anunciando eventos como este. Eles geralmente dizem: “Gnosis, conhece-te a ti mesmo”. O próprio significado da palavra Gnosis é este: conhecimento.

O pseudoanalista aceita prontamente o convite porque, apesar de ter a sua filosofia de vida, ele não é uma pessoa dogmática, isto é, ele tem disposição para conhecer e, filtrar ou aceitar, novas idéias.

A reunião terá lugar na residência do seu amigo. Ele chega bem cedo e fica batendo papo. No wallpaper do computador ele distingue a figura de Krishna, na sua característica coloração azulada, tocando flauta, ladeado pela sua amada e por outras gobis, que também o amam, porém menos do que Radha.

Enfim chegam os poucos convidados e o mestre de Gnosis, um grande amigo e confidente do anfitrião. Entre os convidados há um casal formado por um rapaz de cabelos compridos, totalmente sério, e uma moça sorridente, com a calcinha aparecendo acima da cintura da saia. A jovem senta-se em frente ao anfitrião, com as pernas um pouco afastadas. O seu companheiro senta-se ao seu lado e parece indiferente com a atitude dela.

Após breve apresentação o mestre começa a falar num tom suave. Alguém pergunta sobre interpretação de sonhos: é o rapaz de cabelos compridos. Ele quer saber qual o significado do sonho que ele teve há algumas noites atrás. O anfitrião se antecipa e dá a solução:

- É traição da mulher.

Encerrado o assunto o mestre de Gnosis ensina o que fazer quando se é agredido emocionalmente com palavras por um sujeito nervoso:

- Não revide, apenas encoste a palma da mão direita aberta na altura do umbigo, para impedir que essa energia ruim seja absorvida pelo plexo solar.1

O pseudoanalista, ao ouvir esta barbaridade, vai logo perguntando:

- Quer dizer que eu tenho que virar saco de pancada?

- No início sim, até que o sujeito desista de te agredir, desanimado por não conseguir reação alguma da tua parte. Afinal de contas, o objetivo dele é te irritar.

- É, mas enquanto isso...

1Muito semelhante a uma caixa de ligação elétrica de uma casa, um plexo nervoso é uma rede de nervos entrelaçados.

O sistema nervoso energético constitui a parte mais refinada e alta de todo o sistema nervoso humano. A medicina oficial ainda não o estudou convenientemente, mas quando o fizer obterá vitórias extraordinárias sobre as diversas enfermidades que assolam a humanidade.

Essa importante zona do sistema nervoso funciona em ligação direta com os órgãos do corpo. Todo e qualquer plexo nervoso está sempre em frente a um chacra etérico, que é um centro magnético, e na região de uma glândula física importante. Temos assim:

Plexo coccigodiano em frente ao chacra básico e perto das gônodas.

Plexo esplênico em frente ao chacra umbilical e perto do pâncreas.

Plexo solar em frente ao chacra do plexo solar e perto das supra-renais.

Plexo cardíaco em frente ao chacra cardíaco e perto do timo.

Plexo laríngeo em frente ao chacra laríngeo e perto das tireóides.

Plexo frontal em frente ao chacra frontal e perto da hipófise.

Plexo coronal em frente ao chacra coronário e perto da pineal.

A missão do sistema nervoso energético é recolher através dos chacras as energias cósmicas e passá-las dos plexos às glândulas afins, bem como a todo o sistema nervoso e, finalmente, ao cérebro físico. Essas energias, colhidas pelos plexos, são ali transformadas em energia nervosa ou vital.

Fontes: Manual Merck, O ABC do Hatha-Yoga por Caio Miranda e Revista Época.


O PROFESSOR DE HISTÓRIA




O pseudoanalista é uma pessoa erudita. Ele aprecia e se dedica à leitura de bons livros. Um dos seus lugares preferidos para ler é a Biblioteca Érico Veríssimo, na Casa de Cultura Mário Quintana.

Lá está o Dr. Ronan, em uma mesa redonda, que fica bem na entrada da biblioteca. Um senhor grisalho se aproxima, senta-se ao seu lado e puxa conversa:

- Que tu estás lendo?

- Quem é o senhor?

- Eu sou professor de história aposentado, e tu?

- Eu sou pseudoanalista.

- Eu gosto de pseudoanalistas.

- Eu não entendo muita coisa de história mas tenho profundo interesse nos fatos acerca da Guerra.

- Há uma exposição aqui na capital sobre a Segunda Guerra Mundial, se tu tiveres interesse em aprofundar-te no assunto.

- Que o senhor sabe deste assunto?

- Bem, Hitler era um aficcionado pelo poder, e tinha-o em mãos. O ser humano, em geral, deseja ter poder, quer ver um exemplo clássico, olha Jesus no deserto da tentação. O diabo conduziu-o ao cume de uma montanha, mostrou-lhe todos os reinos do mundo e fez uma proposta quase irrecusável: “Tudo isso te darei se prostado me adorares”. Então Hitler sentia muito prazer por todo o poder que exercia sobre o seu exército. Baseado em idéias de filósofos contemporâneos ele chegou à teorias absurdas e convenceu outros, muitíssima gente por sinal, das suas idéias.

- Pois é amigo, eu fico impressionado que até hoje ainda existem pessoas defensoras dessas idéias espalhadas pelo mundo afora.

- É porque não surgiram outras melhores.

- E o senhor? Que acha dessas idéias?

- Eu tenho aqui no bolso algumas frases do Führer que eu gostaria de ler para ti...

-Não preciso delas, obrigado.

-Então você acredita em quê?

-A minha teoria é a do hortelão: podar uma árvore só faz ela brotar de novo e crescer com mais força do que antes.

-Que tal a gente tomar um café? Eu pago.

-OK.


MISSÃO IMPOSSÍVEL




É uma tarde de inverno em Porto Alegre. O sol já está declinando e o colorido do ocaso faz do horizonte uma aquarela.

O Dr. Ronan está voltando para casa. Nesse exato momento ele está em uma avenida de um movimentado bairro.

Para chegar na sua residência ele precisa passar por dentro de uma vila, onde o tráfico é a ocupação principal dos seus moradores. É uma dessas vilas plantadas no meio dos bairros nobres.

O carro avança uns 1800m vila adentro e, inafortunadamente, o motor falha a cerca de 1500m do núcleo do tráfico. Ele avança mais 100m e agora o carro apaga de vez.

Não obstante os seus repetidos esforços, ele não consegue ir adiante. A única coisa que ele ouve, quando vira a chave, é um chiado de mau agouro. Ele precisa agir antes de despertar a atenção dos moradores locais. Ele pensa rápido, pega o celular, e procura o número do mecânico com quem faz revisão periódica do veículo.

Se o mecânico vier de imediato levará em torno de 15 minutos. Por azar, ou sorte, o celular desliga assim que ele ouve alguém dizer “Alô”. Está sem bateria.

O carro está no seguro, mas o doutor traz consigo uma quantia considerável em cédulas de 100 reais, que estão em uma maleta chaveada. Além disso, ele carrega os seus cartões de crédito e documentos pessoais em uma carteira, no bolso traseiro da calça.

A esta altura o sol já se pôs, as luzes dos casebres se acenderam e, vez por outra, uma cabeça curiosa aparece na janela ou no canto da porta. Ele entende que a sua ação deve ser rápida.

Após nem meio segundo de reflexão ele já sabe o que fazer. Então tira os sapatos, o cinto e o paletó e coloca-os no banco do caroneiro. Depois tira as calças e veste-as do lado avesso. A camisa de mangas compridas é deixada para fora das calças, e alguns botões são abertos.

Dentro das meias, em baixo dos pés, ele coloca os seus cartões e documentos. As notas de cem reais que estão na maleta ele guarda, rapidamente, dentro da cueca, num maço preso por uma borrachinha. Sorte dele que a cueca é apertada.

Feito isso ele sai do carro, abre o capô, e finge consertar algo, enquanto suja a pele e a roupa de graxa. Finalmente, ele rasga a manga direita da camisa, dobra a manga esquerda, massaroqueia o cabelo, fecha o capô, chaveia, e esconde o molho de chaves dentro da dobra da manga esquerda.

Agora ele está pronto para enfrentar a travessia pelo núcleo do tráfico. Recuar é covardia e a distância é bem maior. Ele avança sem muita pressa, para não dar na cara que está fugindo. Doutor Ronan passa todo dia por esse local com o seu carro blindado. Já conhece bem o trajeto.

À medida que se aproxima do ponto periclitante, vão surgindo uns indivíduos mal-encarados, dos vãos entre as construções. Ele sente que a sua presença incomoda, podem pensar que é um policial disfarçado.

Doze homens vêm caminhando na direção do doutor. Ele sente medo. A adrenalina entra na corrente sanguínea. O ritmo cardíaco acelera. Ele entra em ação. Para parecer meio doido, ou mostrar que sabe se defender, ele dá uns golpes de caratê no ar. Os homens estão se aproximando, a passos largos. Seu coração está saindo pela garganta.

É a hora do desfecho. Preste atenção: Ele não desvia o rumo ou sai correndo. Bem pelo contrário. Ele caminha em direção aos traficantes, finge que tropeça e pede com voz de bêbado: “Me dá um real”.

Os homens se entreolham e um deles, o que parece ser o cabeça, lhe dá uma moeda de um real. Ele agradece fingindo emoção: “Brigado seu moço, snif”, e esfrega a mão no olho; a propósito, a mão direita, para não correr o risco de deixar cair o molho de chaves, que inclui as chaves da casa e do consultório.

Missão impossível cumprida. Em dez minutos o doutor está fora de perigo e aciona a Brigada Militar do orelhão de um bar. Logo que a viatura chega ele mostra os documentos e pede carona até a sua casa.